1 As polícias têm em Portugal um longo e triste historial de abusos e de violência. No exterior e ainda mais às ocultas, dentro das suas próprias instalações. Durante a ditadura e, embora bastante menos, em democracia (conheci, como advogado, vários casos desses). Chegando ao extremo da decapitação narrada em A cabeça perdida de Damasceno Monteiro, do Antonio Tabucchi, para o qual lhe forneci material noticioso.
Hoje, as polícias mudaram muito e para melhor. E têm, em geral, pessoal preparado e com noção do seu papel. Há ainda, porém, demasiadas exceções. E a democracia exige polícias com boa imagem, visivelmente ao serviço da comunidade, das pessoas e dos valores, cumprindo todos os seus deveres. Quem os violar, sobretudo de forma grosseira e usando violência injustificável, tem de ser sancionado com severidade e de forma imediata, isto é: logo que haja evidência dessa sua conduta.
Ora, é óbvia esta evidência no caso de Guimarães (ler pp. 56/63). Que, felizmente, foi do início ao fim captado em vídeo (pela CMTV). Não descrevo a cena, pois todos a viram já. Estamos perante, além de abuso de poder, graves agressões físicas a duas pessoas: a cassetete, a um homem atirado ao chão e nele imobilizado, e a murro ao seu pai; e graves agressões psíquicas, morais, a ambos, e sobretudo aos dois filhos desse homem, umas crianças, a mais nova das quais com o medo até urinou as calças.
Assim sendo, e desde logo em defesa da própria Polícia, é inadmissível que o polícia agressor não tenha sido de imediato suspenso e que o comunicado policial enferme de vícios antigos, limitando-se a anunciar burocraticamente um inquérito. Que, de facto, só pode servir para apurar as circunstâncias agravantes ou atenuantes dos ilícitos penais e disciplinares cometidos. As agravantes, aliás, também são óbvias, a começar pela presença das crianças. Quanto a atenuantes alegadas serão, pelo que li, as habituais dos polícias que cometem tal tipo de ilícitos. Mas não só qualquer insulto ou “cuspidela” justificaria as agressões, como o vídeo não mostra ou indicia que possam ter existido. Além disso, os depoimentos da vítima (pai), muito claro e esclarecedor em entrevista ao JN, e das testemunhas, dirão se a alegada atenuante não se transforma em outra agravante: as mentiras a que os agressores nestes casos costumam recorrer…
2 – Um dos rastos de mais nefastas e prolongadas consequências que o Governo Passos Coelho/Paulo Portas deixará é o do desmantelamento do setor público do Estado. Com uma devastadora política de privatizações, concessões, subconcessões, de empresas e serviços essenciais para Portugal e para os portugueses, substituindo uma lógica de interesse público, com uma visão nacional, por uma lógica de mercado e lucro, com a propriedade e os centros decisores a amiúde mudarem para o estrangeiro, com tudo que isso significa.
Sabe-se que houve nacionalizações injustificadas, excessivas, absurdas. E por mim nunca as defendi. Nem nunca confundi mais justiça social, liberdade e desenvolvimento, uma política de esquerda democrática ou social-democrata, com nacionalizações e estatização. Mas, após um ano, se tanto, de nacionalizações, anda-se há 40 anos a privatizar o que devia e, de seguida, o que não devia ser privatizado. A privatizar inclusive, com este governo, o que já era público antes do 25 de Abril! Já não se trata só de desmantelar o setor público do Estado, mas de debilitar, se não desmembrar, o próprio Estado.
Entre os exemplos recentes mais expressivos, e a prazo prejudiciais para Portugal, estão os da REN, da EDP, da ANA – e, antes, o da PT ou até o da Galp. Um dos últimos, paradigmático, inadmissível (como seria o das Águas), é o dos CTT, que mesmo em sítios recônditos sempre constituíram um símbolo da presença do Estado, para servir as populações, como a escola ou o posto médico (ler pp. 42/49). Porém, não lhe bastando tudo isso, o Governo está a querer ainda, além de concessionar o Oceanário (!), a toda a pressa subconcessionar a privados os transportes públicos de Lisboa e vender a absolutamente estratégica TAP. Contra (quase) tudo e (quase) todos, incluindo quem dentro de cinco meses poderá ser Governo. Como é possível e o que o move?