“Externalidades” designa os custos ou benefícios de produzir um bem ou serviço que não se refletem no preço de mercado. Abundam as externalidades negativas, em que os lucros são privados, e os custos, de todos. Nos alimentos ultraprocessados, os custos com o tratamento dos doentes (obesidade, diabetes). Na indústria da moda, as pilhas de roupa num deserto sul-americano ou num qualquer país africano. Na energia, o aquecimento global. E há muitos outros exemplos.
Não obstante, uma realidade evidente para todos, a indústria canaliza recursos para gerar a dúvida. Alega que os estudos científicos são incompletos e é necessária mais investigação. Que não foi demonstrada causa-efeito. Que existem múltiplos fatores. As reações são ténues e tardias. Individual e institucionalmente, acolhemos a dúvida, que nos apazigua a ansiedade, num dia a dia já com a sua dose de preocupações.
Lentamente, compostos químicos são proibidos e impostos tornam mais rentável encontrar uma alternativa ou assegurar a reciclagem. Exemplos bem-sucedidos são o Protocolo de Montreal, que eliminou a produção de químicos que empobreciam a camada de ozono e, na Noruega, a taxa especial sobre produtores e distribuidores, caso não garantam a recolha de 95% das garrafas de plástico.
No novo mundo virtual, as externalidades não são apenas físicas. À poluição e aos custos energéticos associados à produção dos gadgets somam-se as externalidades de carácter intelectual e social. Multiplicam-se os estudos que demonstram que estamos mais ansiosos e infelizes, desde que a nossa vida social passou a ser formatada pelas redes sociais. A qualidade da nossa democracia degradou-se, com o discurso político controlado pelo algoritmo, que decide o que lemos e que manipula os nossos instintos mais básicos.
Face às denúncias de ex-funcionários das Big Tech, estudos de médicos e cientistas sugerem as primeiras respostas. Vários países europeus ponderam a proibição do uso de telemóveis nos recintos escolares (nalguns, incluindo no Secundário). No estado do Utah. EUA, foi publicada, em 2024, legislação a estabelecer limites de tempo de uso, proibição de auto-play, scrolling e notificações automáticas, e obrigatoriedade de apresentar os conteúdos por ordem cronológica, quando o utilizador é um menor. Em 2023, 41 estados americanos demandaram a Meta por produzir apps viciantes e especialmente destinadas aos mais jovens (na sequência de serem tornados públicos documentos internos pela ex-funcionária do Facebook Frances Haugen). Não se antecipa vitória, dado o Supremo Tribunal de Justiça Americano ter vindo a decidir que as empresas detentoras destas plataformas não são responsáveis pelos conteúdos. Na Europa, sucedem-se os pedidos de informação pela Comissão Europeia, ao abrigo do Regulamento dos Serviços Digitais, embora, até ao momento, tal ainda não se tenha refletido na forma como os algoritmos se encontram desenhados.
Importa acelerar a resposta e reconhecer que não são apenas as crianças e os jovens que beneficiariam da eliminação do auto-play e do scrolling ou de os conteúdos serem apresentados por ordem cronológica. Afinal, os 18 anos não nos tornam, como por milagre, imunes aos efeitos negativos das redes sociais. Um “recolher obrigatório”, isto é um período noturno em que crianças e jovens não podem estar online (como o previsto na legislação do Utah) permitiria um sono mais tranquilo e certamente um ambiente familiar e escolar mais saudável. Se é já evidente que uma escola menos digital – sem smartphones (há que recordar que para contactar existem sempre telefones de teclas) e com um uso muito circunscrito de televisores e computadores – permite melhores resultados na aprendizagem e no comportamento, porque adiamos tomar medidas? E se o ideal é legislar, também na nossa comunidade e na escola dos nossos filhos é possível atuar. Mobilizemo-nos como cidadãos, pais e educadores para, enquanto as Big Tech acumulam lucros, não sermos vítimas desta externalidade que nos corrói o cérebro e o tecido social.