Conhecidas as linhas gerais da política imigratória que o atual Governo pretende implementar, impõe-se uma reflexão do que foi feito e do (muito) que há ainda a fazer.
Declaração prévia de interesses: não milito em nenhum dos partidos que compõem o Governo.
Isto dito não posso deixar de considerar que, por muito genérico que seja o plano agora apresentado, ele tem vários pontos fortes. Equaciona, desde logo, o problema com clareza, faz o diagnóstico e define a terapêutica. Esta pode ser discutível e, em última instância, revelar-se inadequada ou impossível de aplicar com os meios ao dispor.
Mas não há nada pior do que a incerteza e a navegação à vista que se vive atualmente.
Não há muito tempo, defendi nesta mesma coluna necessidade de se acabar com o sistema de Manifestação de Interesse alertando para o facto de, sem essa ação legislativa, ser praticamente impossível acabar com as pendências.
Tendo sido criado como um mecanismo para regularizar as dezenas de milhares de imigrantes que se encontravam em Portugal sem um título de residência deveria ter tido, desde o início, um prazo limite de vigência, pese embora o contributo para o sistema social destes emigrantes que se encontravam perfeitamente integrados no mercado de trabalho. Não foi esse o entendimento e claro que o “efeito de chamada“ deste mecanismo veio aumentar enormemente o número de indocumentados. Por isso uma saudação especial para esta primeira medida.
Mas ela só resultará com o reforço dos elementos ligados à imigração junto dos consulados, de maneira a permitir a emissão adequada de vistos de residência.
Hoje mesmo vi publicado um artigo em que se afirma que o controlo criminal aos vistos terá acabado em países de risco com o fim do SEF.
Portugal não é um país que atraia mão de obra altamente qualificada. Aliás, se assim fosse, não teríamos tantos jovens portugueses com altíssimas competências a emigrar.
Somos um país com baixos salários e esta realidade está em contracorrente com a vontade do Governo em atrair talentos
Com o enorme respeito que tenho por quem assina o artigo, devo fazer notar que os Oficiais de Ligação para a Imigração, que desde há anos estão sedeados em determinadas embaixadas, só no início do ano terminaram as suas comissões que, como é facilmente entendível, se prorrogaram para além da extinção do organismo. Portanto, a não existência de algum controlo nesses países não pode ser acatada ao fim do SEF.
Outra coisa diferente é saber se os consulados onde estão previstos esses elementos de ligação são os mais adequados ou se deveriam ser estendidos a outros países.
A capacitação dos consulados na atribuição de Vistos de residência, sobretudo para trabalho passa, porém, por outros mecanismos que há que implementar rapidamente. Desde logo a existência duma bolsa de emprego por áreas deficitárias no país.
E aqui há que ser muito claro e concluir que Portugal não é um país que atraia mão de obra altamente qualificada. Aliás, se assim fosse, não teríamos tantos jovens portugueses com altíssimas competências a emigrar.
Somos um país com baixos salários e esta realidade está em contracorrente com a vontade do Governo em atrair talentos.
Mas somos um país extremamente deficitário em áreas de baixa qualificação, como a agricultura, a pesca ou a restauração.
Portanto, não podemos ter a veleidade de pensar em criarmos uma imigração de primeira classe e outra de segunda.
De aplaudir também a ideia, que não é nova, mas que parece querer agora sair do papel, da descentralização dos serviços de documentação, envolvendo mais as autarquias e os governos locais. Não faz sentido que um imigrante se veja obrigado a viajar do Algarve até Braga para tratar da sua documentação!
A proximidade da relação entre os serviços da Administração do Estado e os imigrantes é o primeiro passo para criar, mais do que um sentimento, um estatuto de cidadania.
Porque, no fim do dia, quando falamos de integração, de acolhimento e de regularização, é disto que se trata: tornar todos os que se encontram em Portugal em cidadãos de pleno direito e deveres.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.