A SIC tem vindo a passar o documentário Vistos para a Vida, dedicado a Aristides de Sousa Mendes, o homem que ousou desobedecer e que hoje é um herói, um “justo entre as nações”, mas que sofreu o opróbrio dos seus pares e do governo português após o ato que o imortalizaria.
Mais do que um documentário, o programa é uma sentida homenagem ao homem que salvou centenas de pessoas duma morte certa, sem pensar nas consequências que uma tal atitude acarretaria para si e para a sua família.
Descendentes dos que sobreviveram graças à coragem deste português, partilham testemunhos emotivos, alguns pungentes mesmo, do que significou aquela assinatura num simples papel.
Portugal foi sempre reconhecido como um porto de abrigo, contando, a maior parte das vezes com a ação das pessoas anónimas, daqueles de quem ninguém ouve falar e que se perdem por entre a História.
Também a elas este documentário quis dar voz e tributo, contando o episódio do famoso comboio retido em Vilar Formoso com gente em fuga da Europa ensandecida.
Naquela terra paupérrima, esquecida lá na fronteira entre uma terra seca e barrancos, a população tirou do pouco que tinha, e socorreu aqueles que tudo deixavam para trás.
Um pão, um púcaro de água, uma sopa aguada, um leite para as crianças de colo, fizeram a diferença. Quem sabe não foi a linha que separou muitos de morrerem ali mesmo, às portas da salvação.
Em vésperas da entrada em funções da Agência de Integração Migração e Asilo e em que o acento tónico é precisamente a integração, impõe-se uma reflexão séria sobre como honrar o legado de Aristides, adaptando-o aos novos tempos.
Em vésperas da entrada em funções da Agência de Integração Migração e Asilo e em que o acento tónico é precisamente a integração, impõe-se uma reflexão séria sobre como honrar o legado de Aristides, adaptando-o aos novos tempos
Para os que insistem na tónica da segurança há que assegurar que, ao contrário do que certos populistas bramam aos sete ventos, aquela nunca ficará em causa. O policiamento das entradas aeroportuárias irá continuar e, quanto à criminalidade, continuará a ser controlada e vigiada pelas forças de segurança que já o faziam.
Não é porque alguém tem uma pele mais escura, reza a um Deus que não é o nosso, tem outros hábitos alimentares ou vem duma nacionalidade “de risco” que é necessariamente um terrorista ou um agitador. Tal como todos, terá que se submeter às leis do País e aos nossos valores de democracia, laicidade, liberdade, igualdade e não discriminação.
A diferença será colocar a tónica na verdadeira segurança, a que advém da total integração dos que nos procuram para uma vida em liberdade e paz, contribuindo para uma sociedade mais plural e rejuvenescida. Tudo o resto, que não deixa de ser importante, é securitarismo. Em português, esta última tem um significado um tanto ou quanto negativo. Mais feliz é a diferenciação em inglês entre safety e security.
O caminho é, pois, em direção à safety e essa só é possível com uma integração plena e com a participação de todos.
Nos fóruns sobre migração, fala-se muito da necessidade do envolvimento de todas as áreas de governo na questão migratória, o famoso WOGA.
Portugal pode e vai mais longe, ao pretender e começar a dar passos seguros no sentido do envolvimento de toda a sociedade neste processo introduzindo o conceito de WOSA.
Curiosamente, ou talvez exatamente por isso, os grandes exemplos começam a surgir de municípios do interior. Aliás, o envolvimento das autarquias neste processo é essencial, quer na descentralização burocrática dos procedimentos de regularização, quer no acolhimento e completa integração das novas populações, evitando-se a guetização nas grandes cidades, como acontece um pouco por toda a Europa.
O município do Fundão é já um caso de sucesso e Carregal do Sal prepara-se para ser um polo de referência, no que concerne ao acolhimento de refugiados e migrantes, com especial ênfase nos jovens e uma preocupação também acrescida no que concerne às mulheres. São dois grupos que, pela sua especificidade, têm que ser alvo duma atenção e dum procedimento especiais.
Recuperando a Casa do Passal como núcleo museológico e a Casa do Aido como casa de acolhimento e acompanhamento de refugiados e migrantes em risco, ambas ligadas à figura de Aristides de Sousa Mendes, Carregal do Sal vai tornar-se município piloto no que diz respeito ao envolvimento de todo o tecido social e económico da região neste processo.
Ninguém melhor que os governos de proximidade para acompanharem em todas as áreas os novos moradores, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Estas experiências piloto, algumas já em “velocidade cruzeiro” com provas dadas e sucesso reconhecido, deverão ser as “boas práticas” a adotar nesta nova fase da politica migratória portuguesa.
Só assim poderemos ser, mais uma vez, o exemplo da solidariedade, da miscigenação entre povos, sem perdermos a nossa identidade e os nossos valores, promovendo a igualdade e a inclusão.
Essa é a melhor forma de honrarmos a memória de Aristides.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.