Dia 42.
Qual é a primeira coisa que vais fazer quando pudermos sair de casa? A pergunta, que lancei aqui em casa, faz-me lembrar aquelas clássicas reportagens do primeiro dia de liberdade de um preso. Em tempos de Covid-19, faz-nos pensar no que sentimos realmente falta na vida “lá fora”, a vida outrora normal.
O programa que mais quero fazer no meu primeiro dia em liberdade é clarinho como a água: ir à praia, apanhar ondas e dar um mergulho, estender-me ao sol. Nisto, sou muito portuguesa. Podem tirar-me várias coisas – restaurantes, lojas e shoppings – passo mesmo muito bem sem isso. Mas quem me tira a areia, a água salgada e o sol, tira-me um pedaço importante da vida. Para mim, são endorfinas poderosas concentradas. E para o resto da família, fervorosa praticante de surf, acho que ainda mais.
Não tenhamos dúvidas. A praia, em Portugal, é um importantíssimo assunto de Estado. Com o tempo a aquecer e o mês de maio à porta, vai ser muito difícil de conter este ímpeto nacional para nos espraiarmos – literalmente. Por exemplo, ainda hoje, com tempo incerto e a as praias supostamente interditas, conseguíamos ver pela webcam dezenas de pessoas a passear e estendidas ao sol na Fonte da Telha…
Como conter uns milhões de tugas de irem até aos areais, eis a questão. Que acho que tem uma única resposta: não contemos. Mais vale assumirmos que as pessoas têm de ir à praia e pensarmos nas estratégias mais eficazes para garantir alguma segurança.
É verdade que está a ser preparado, prevê-se que até 6 de maio, um “manual de procedimentos sobre o acesso às praias”, um trabalho da Agência Portuguesa do Ambiente, da Marinha, do Instituto de Socorro a Náufragos e da Direção-Geral da Saúde. Será definida a capacidade de lotação máxima de cada praia, as distâncias mínimas entre palhotas, guarda-sóis e toalhas (mínimo de dois metros entre famílias), corredores de acesso ao mar, e a obrigatoriedade do uso de máscaras nos cafés e restaurantes das concessões. Poderão vir a ser interditadas as praias não vigiadas e as praias urbanas onde não seja possível controlar os acessos.
Este controle será, no mínimo, complicado. Vão os banheiros andar com fitas métricas a medir distâncias entre toalhas? Vamos ter contadores de pessoas à entrada? São os novos desafios a enfrentar… Os concessionários dizem que estão preparados. A ilha de Albarela, em Itália, já tem um plano para o regresso às praias que inclui uma nova figura: um gestor de Covid-19. É uma ideia. Ou então, porque não, definir como se fez em Andorra, alternar os dias em que as famílias podem lá ir, conforme o número par ou ímpar das portas das casas onde moram. Para grandes problemas, soluções criativas. Temos é de encontrar alguma que não nos obrigue a ficar longe do mar.
Uma coisa é certa: deixem rapidamente os surfistas ir a banhos. Mesmo que numa primeira fase fiquem de fora as escolas, o surf já é um desporto nacional com muitos milhares de praticantes. As condições se segurança são muito fáceis de garantir, como já atestaram as várias associações do setor: os surfistas vestem-se nos parques de estacionamento e entram diretamente para o mar, e a distância mínima de dois metros dentro de água está assegurada – mesmo nos picos de ondas mais concorridos, o “crowd” não precisa de estar “à molhada”. Só quem sabe o bem que faz à cabeça apanhar umas ondas, entende porque esta é uma medida prioritária…
Eu, por mim, estou a contar ardentemente os dias. Não vejo a hora de me ver à beira-mar. No entretanto, vou até ao paredão sempre que posso para espreitar se a linha do horizonte e o Farol do Bugio estão no mesmo sítio. Comovo-me, imaginem!, com o cheiro a maresia. Anseio por água salgada nos cabelos. Pelo-me por sentir o sol a secar-me a pele. Sou como Sophia:
“De todos os cantos do Mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua.”