Dia 40.
E, ao 40º dia, começam a faltar-me algumas coisas. A paciência é claramente uma delas. Desculparão… a culpa não é minha, é do confinamento. Está estudado que isto de estar fechado em casa, alterando profundamente os nossos hábitos familiares e sociais, nos deixa mais suscetíveis e, porventura, intolerantes. Neste caso, com a arrogância e a soberba de alguns políticos.
Como se não bastasse toda a desnecessária discussão nos últimos dias, que podia ter sido evitada com mais tato político, veio agora o Senhor Presidente da Assembleia da República (AR) recusar (numa entrevista à TSF) a ideia de os presentes na sessão de celebração do 25 de Abril usarem máscaras de proteção. “Então nós íamos mascarados para o 25 de abril?”, questionou a segunda figura na hierarquia do Estado. “Eu diria até, um pouco a brincar, embora o momento não seja para grandes brincadeiras, que andou muita gente mascarada de abrilista durante estes anos todos e agora deitou as garras de fora”, ironizou sem graça nenhuma.
Bom, é que nem sei por onde começar… Mas talvez por alguns factos. Isto talvez seja uma novidade para si, Senhor Ferro Rodrigues, mas as pessoas que usam máscara fazem-no como medida de proteção, para evitar uma crise de saúde pública. As pessoas que usam máscara fazem-no para se proteger, mas sobretudo por altruísmo e sentido de missão coletiva. Fazem-no para proteger os outros, em especial, os grupos de risco, por exemplo, onde o Senhor, com 70 anos, já estará inserido. E fazem-no com um enorme espírito de sacrifício, porque – surpresa! – não é confortável andar de máscara. Descobrirá isso quando, um dia, não se puder dar ao luxo de a dispensar.
Provavelmente Ferro Rodrigues estará ocupado (nalguma almoçarada com os vários colegas da Assembleia?) durante as sessões diárias de esclarecimento e partilha de informação que o Ministério da Saúde e a Direção Geral da Saúde têm feito, mas praticamente todos os dias se tem explicado que as máscaras protegem essencialmente os outros. E também não terá ouvido o Primeiro-Ministro e a Marta Temido várias vezes dizer que, muito em breve, todos teremos de andar com elas nos espaços públicos. Hoje até anunciou na AR que o governa tenciona baixar o iva destes produtos para a taxa reduzida. Não terá decerto lido que o Presidente da República vai ao supermercado com máscara colocada já pelo menos desde o início do mês. Tal como desconhece, com certeza, que é esta a forma utilizada um pouco por todo o mundo para conter o vírus e se sair dos confinamentos, por causa do enorme perigo silencioso dos doentes assintomáticos. No mundo real vai ser assim. E o que eu gostava de saber é porque é que para todos nós será assim, e na Assembleia da República, com uma sala cheia de gente, não.
Começa a ser mesmo difícil de digerir tudo isto. Se saísse da lamentável bolha de privilégio onde tem insistido em se colocar, Ferro Rodrigues teria a noção que há, todos os dias, milhões de portugueses com máscaras colocadas na rua. Lá no mundo real onde Portugal acontece, e que elegeu este hemiciclo.
Parece um filme, sim, mas usar máscara vai ser o nosso novo normal. E não, não vamos andar mascarados. Vamos andar dignamente de máscara, com muito orgulho. Porque o fazemos por todos nós. É pena que quem nos representa não perceba isso, e pior, se sinta acima do comum dos mortais e insista no erro de não dar o exemplo.