Dia 21.
Nesta minha minha luta quixotesca (alguns dirão inglória) de longa data, costumo sempre começar por perguntar às pessoas se andam a roubar produtos das prateleiras das lojas e a oferecê-los aos seus amigos sem pagar. A primeira reação é de choque e indignação. Como é evidente, uma pessoa de bem não anda a subtrair bens alheios por aí.
No entanto, há muito boa gente, genuinamente de bons valores e princípios, que o faz. Rouba e usurpa. Como? Gosta de uma crónica ou de um texto que leu, tira uma fotografia ou copia-a integralmente e publica nas redes sociais. Ou, pior ainda, recebe e partilha pdfs de revistas ou jornais.
O fenómeno sempre existiu, mas nas últimas semanas de confinamento explodiu. Edições inteiras andam a ser partilhadas integralmente, em pdf, em grupos de whatsapp ou por email, mal acabam de sair.
Muita gente – e mesmo advogados, deputados, colunistas e gente da comunicação e dos média – fá-lo sem qualquer noção de que isto é um crime. Sim, um crime previsto e punido no Código Penal, que dá direito a uma pena de prisão até três anos. E tão criminoso é quem retira os pdfs como quem se limita a partilhá-los com os seus amigos. Nestes dias, a pirataria cresceu porque muitos veem-na como um gesto solidário: acham que estão a partilhar um serviço simpático num momento em que as pessoas estão em casa com mais tempo livre. Não é solidariedade, é um desrespeito pelo trabalho dos jornalistas. E, em última análise, uma ameaça à democracia.
Vamos falar claro: este tipo de comportamento põe em causa a sobrevivência da imprensa e dos milhares de postos de trabalho que dela subsistem. Os média, que já viviam antes tempos extraordinariamente difíceis – com a concorrência desleal dos gigantes como a Google e o Facebook que abocanham a esmagadora maioria das receitas digitais de publicidade –, estão agora a passar pela maior crise de sempre da sua história. A publicidade em papel e digital praticamente desapareceu, num movimento de pânico das empresas anunciantes. Salvam-se honrosas exceções de empresas que percebem que é agora que podem e devem comunicar e deixar uma marca que perdura. As receitas de banca e dos assinantes – felizmente a VISÃO tem muitos e de longa data – são, ainda, a faturação preciosa que subsiste.
Imaginem um mundo sem informação. Gostava que vivessem, só por uns dias, sem jornalismo de qualidade, sem isenção nem pluralismo, sem “guardiões” do sistema. Um mundo entregue às idiotices, aos interesses de alguns e às fake news. Garanto-vos: não seria bonito de se ver. Mas é exatamente esse o risco que todos corremos se as pessoas não perceberem que a boa informação custa dinheiro a produzir e tem um preço. Pequeno – como se pode ver pelas campanhas de promoção que todos os meios estão a fazer para sobreviver. Sim, sobreviver.
Aquele pdf que recebeu? Destrua-o. Explique à pessoa que lhe mandou que é uma vergonha receber, ler ou partilhar, como é uma vergonha escarrar para o chão, riscar carros estacionados ou roubar coisas das prateleiras das lojas e dos supermercados. É uma questão de educação e de cidadania. E compre ou assine revistas e jornais. Nós precisamos de si para lhe continuarmos a servir o melhor que sabemos fazer.
Nota: Numa iniciativa inédita, os diretores de vários jornais e revistas juntaram-se ontem num manifesto contra a pirataria. É muito bonito ver a concorrência ser posta de lado para trabalharmos todos, unidos, para o bem comum.
