Vivemos um tempo em que o trabalho já não se resume a cumprir horas por cumprir e é precisamente aqui que a proposta da semana de quatro dias deixa de ser mera utopia para se tornar exigência concreta de uma sociedade adulta. Quando olhamos para a forma como trabalhamos – as jornadas compridas, o ritmo acelerado, a sensação persistente de que o dia nunca é suficiente – não podemos deixar de concluir que algo mudou e exige mudança.
Durante décadas, para muitos de nós, “trabalhar” significou estar presente, horas de corpo, horas de mente, atrelados a um relógio que pouco questionava o seu próprio propósito, mas o mundo hoje já não tolera essa circunstância. A tecnologia, a globalização, o saber humano, tudo se transformou e no centro dessa transformação está o ser humano, cansado e desejoso de mais do que uma vida em que o fim do dia chega sem tempo para se viver.
As experiências internacionais são bem elucidativas, na Islândia, dezenas de milhares de trabalhadores participaram em ensaios que, longe de mostrarem menos produtividade, revelaram o contrário, melhores resultados, maior satisfação, menos desgaste. No Reino Unido, testes com empresas que reduziram a semana mantiveram ou melhoraram a produtividade e 92% decidiram manter o modelo. Estes dados, mais do que estatísticas, são um aviso e uma oportunidade.
Em Portugal, ainda persiste a herança de que o valor do trabalho se mede pela duração, pela presença, pelo “estar lá”. É uma mentalidade que já dificilmente se encaixa no nosso tempo quando a maior parte das tarefas é intelectual, criativa, relacional e não meramente manual ou mecânica, faz cada vez menos sentido avaliarem-nos por quantas horas permanecemos nas empresas.
Adotar a semana de quatro dias é, acima de tudo, um sinal de maturidade social. É reconhecer que o bem-estar dos trabalhadores não é de somenos importância, é uma condição. Quando se vivem vidas curtas de descanso, de lazer ou de simplesmente “não fazer”, sim, o “não fazer” também é legítimo, fracassamos não apenas como comunidade humana.
E desengane-se quem pense que este modelo fragiliza a economia, as experiências demostram outra coisa, menor rotatividade, menor absentismo, melhor ambiente de trabalho, mais criatividade e motivação. É consensual que quando as pessoas estão mais descansadas, mais serenas e mais disponíveis para si e para os outros, trabalham melhor. E a economia, essa rede de relações, sai também reforçada.
Há ainda uma dimensão ambiental que não devemos negligenciar, menos dias de deslocação, menos trânsito, menos emissões. O mundo pede-nos ação e talvez este seja um dos campos de ação mais simples, mais diretos, repensando o trabalho para repensar a vida.
Obviamente, não se trata de aplicar um modelo rígido para todos, alguns setores de atividade exigem presença contínua, interação constante e rotatividade. Mas mesmo nesses casos, poderia haver criatividade, reorganização, flexibilidade e adaptação. O que não pode permanecer é a inércia, o “sempre se fez assim”.
Se analisarmos a História, verificamos que de cada vez que ocorreu uma redução da jornada de trabalho, a produtividade não morreu e a vida melhorou. Talvez o verdadeiro sinal de uma sociedade moderna seja perceber que trabalhar não pode significar esgotar-se, que o tempo livre não é pecado e que a vida fora do trabalho também importa.
Este modelo não é um luxo de privilegiados. É um direito que, até agora, muitos acharam inalcançável, chegou o momento de assumir que não basta produzir, importa viver, que não basta cumprir, importa criar e que não basta existir no trabalho, importa existir fora dele.
Porque no fim de tudo, o progresso humano não se mede apenas pelo PIB, pelas máquinas ou pelos relatórios. Mede-se pelo tempo que nos resta para vivermos, para amar, para aprender, para descansar e para refletir. E essa é talvez a lição mais profunda: trabalhar mais não nos torna melhores, mas trabalhar bem sim.
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