Durante mais de uma década, perguntei aos meus alunos de pós-graduação (na sua maioria, médicos), o seguinte: “Quem gere o SNS? Quem define a sua Estratégia?” Seguiam-se uns minutos de silêncio… como aqueles que se fazem em memória de alguém querido que partiu. Eu provocava: “É que ‘o privado’ define bem a sua estratégia.”
Algo perplexos, alguns “a coçar a cabeça” lá arriscavam responder, a medo: “O Ministério da Saúde?… o das Finanças, também?”. Na sua grande maioria, acabavam por concluir: “Ninguém!”.
Essa década correu, e foi após o início dum dos maiores fluxos migratórios da história de Portugal (o dos médicos para o setor privado, bem entendido), que com alegria, arriscaria mesmo dizer esperança, ouvi pela primeira vez a notícia de que iriam nomear uma Direção Executiva para o SNS, uma equipa de gestão liderada por um gestor. Até lhe chamavam, temerariamente, “CEO”, tendo o primeiro de sua linhagem sido nomeado a 1 de outubro de 2022! Nomeado foi… a autonomia estratégica para, de facto, gerir o SNS é que acabaria por chegar quase um ano depois… com a Lei de Bases do SNS.
E desde que finalmente se consagrou essa lei, que visava conferir maior autonomia aos gestores na tomada de decisão estratégica da rede que forma o SNS, foi um corrupio tal que em menos de três anos passaram por lá três “CEO”s, e não se registou qualquer elemento de estabilidade na Direção Executiva do mesmo… ou na sua estratégia…nem consequentemente no SNS.
Mas penso que aos olhos da população já foi, entretanto, esclarecido o equívoco: é que este assunto, este assunto sério merecedor da maior atenção não está, nunca esteve, verdadeiramente entregue à gestão, ou a um órgão estável de gestão do SNS, ou a qualquer CEO. Esteve sempre nas mãos da política. E os políticos não trabalham o médio/longo prazo da estratégia. Esses, na Saúde, têm sido uns tapa-buracos… ou procurado ser. Uns por negligência ou para “mostrar serviço”, outros pelo compreensível desespero já imposto pelo sentido de urgência. Confesso que atualmente me vem sempre a imagem da personagem de cartoon esticada, com cada pé e cada mão a tapar um buraco duma barragem sob pressão, prestes a observar o rebentar do 5º buraco.
Considere-se um desses momentos do ‘rebentar da barragem’ na Covid-19. Foi graças aos profissionais e alguns gestores (locais) de saúde, e ao seu espírito de missão, que se “desenrascou” um grupo informal de WhatsApp para cruzar, na rede do SNS e em tempo real, a capacidade instalada ainda disponível (e.g., camas e equipamentos livres). Extraordinário que tenha recaído mais esse ónus nos profissionais de saúde, na ausência duma gestão estratégica, transversal e antecipada, da rede, do sistema. Mais extraordinário ainda que, volvidos cinco anos, e o acumular da insatisfação e o desgaste dos profissionais de saúde, continue instalado o caos resultante nomeadamente dessa mesma falta de gestão (atempada, estratégica) dos recursos (humanos, mas não só!) e da capacidade instalada. Seja no que concerne a resposta obstetrícia na grande Lisboa, ou as falhas de resposta na contratação de helicópteros e na emergência médica.
Compreenda o leitor que não existe o incentivo político para definir uma estratégia de longo prazo, que sustente o SNS, que promova também medidas que libertem excedentes orçamentais para poder investir nos recursos humanos (e.g., da gestão dos resíduos hospitalares à redução das (caríssimas) infeções associadas aos cuidados de saúde, acima da média europeia). Existem, isso sim, incentivos à mera gestão operacional, que mostre resultados imediatos ao eleitorado (em especial, aos indecisos)! Ainda que, com isso, se ameace a subsistência futura. Venham os médicos ou enfermeiros tarefeiros que “estiverem à mão” ao custo que vierem! E muitas vezes acima do de um profissional do quadro.
Desta forma fica o meu apelo: à gestão o que é da gestão! Querem a sustentabilidade do SNS? A solução é só uma: confiem-no a quem sabe gerir, e não à política! Confiem-no à gestão privada das PPP’s ou de facto a uma Direção Executiva, nomeada pela competência em gestão (esta parte nunca questionei), independentemente da cor política, mas sobretudo, Deixem-na gerir, e ser, independente da solítica!
Sou forçado a concluir como (infelizmente) ainda o faço em aula: “É que no privado definem bem a sua estratégia…aliás reparem: foi graças a isso que em Portugal, no início, conseguiram a tarefa hercúlea de penetrar um setor com um SNS ‘monopolista’, firmemente instalado (e tendencialmente gratuito), eximiamente equipado, com tecnologia e recursos humanos incomparáveis (à época) e reputado”.
Ora se tal se deveu à exímia capacidade de gestão estratégica do ‘privado’, ou se foi no SNS que a estratégia foi terrível (ou ausente), deixo à consideração do meu caro leitor. Qualquer a escolha, a resposta passará sempre pela Gestão e a Estratégia na Saúde.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.