Assisti esta semana ao filme “A cor da liberdade”, no Festival Política. Um filme com testemunhos de quem fez parte de movimentos antifascistas e antiguerra antes do 25 de Abril, vários deles a descrever a sua experiência como presos políticos e alvos de tortura. No fim do documentário, foram vários os intervenientes que pediam aos jovens para garantir que não perdêssemos as conquistas da revolução, em especial com o aumento de forças de extrema-direita e antidemocráticas. Saí de lá em pura inquietação. O que querem que faça?
Não faltam estudos a indicar que os jovens não têm falta de interesse pela política, só não se interessam, não se reveem, nos mecanismos formais da ação política, como a participação em partidos políticos. “Bater no ceguinho” e dizer que a culpa é dos políticos dos últimos 10, 20, 30 anos que não cumpriram as suas promessas e que descredibilizaram as instituições não é solução. Meter todos os atores dos partidos democráticos no chapéu de “sistema” e “políticos” (uma espécie diferente da humana) e querer “limpá-los” é um discurso fácil, mas imensamente perigoso porque não é isso que vai afastar as “maçãs podres”, só afasta os bons que não querem ficar associados a esses… e só alimenta a solução que é colocada à nossa frente como a óbvia (apesar de errada): os partidos “antissistema”.
Esses partidos, que na realidade juntam as “sobras” do sistema, a escória, o pior do sistema que finge não estar interessado em poder, mas não pede outra coisa, não podem ser a solução. Até porque fica a questão: se os partidos do sistema tivessem feito tudo certo (eu sei que é impossível, estou a falar hipoteticamente), será que a situação seria diferente? Mesmo os problemas que não temos, que são comprovadamente – com factos! – falsos, como a grande corrupção ou criminalidade elevada por causa da imigração, estão em foco porque o que parece interessar é apenas o que se “sente” …
Então qual será a solução? Tiktoks?
Sugeri isso a rir à amiga que foi comigo ao cinema. Rimos juntas, mas foi daqueles risos de desespero, não tanto de quem diz e ouve algo com graça. A verdade é que depois de ver um filme com pessoas que lutaram, a sério, pela liberdade e pela democracia, parece ridículo que o que peçam à nossa geração para fazer para manter essa liberdade e essa democracia sejam tiktoks… Contudo, também não é solução deixar que esses espaços, essas plataformas, sejam só ocupados por quem quer disseminar desinformação e manipular a opinião dos jovens (e dos menos jovens) através de vozes iradas, danças engraçadas e emoções à flor da pele. E o pior é que resulta. Resulta desde os tempos pré-redes sociais, dos tempos do “4chan” e outros fóruns do género… Podemos investir em literacia dos media, mas, enquanto estamos a ensinar a estes jovens como detetar “fake news”, já está a geração seguinte a ser alimentada com vídeos feitos com inteligência artificial. Estamos sempre a correr atrás do prejuízo.
Nos EUA, está agora uma “bill” à espera de ser votada no senado para terminar o acesso ao Tiktok a não ser que a empresa seja vendida a uma entidade nacional. O problema deles não é com a rede social, nem o seu método de funcionamento, é apenas com o facto de ser chinesa.
Gostava de terminar o texto num tom de maior esperança, mas tenho de ir fazer um tiktok, nem que seja para sentir que não estamos a perder terreno…
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