Gosto de me deitar cedo. E esta semana irritou-me solenemente a programação da nossa televisão. O melhor conteúdo está cada vez mais tarde, além disso, os intervalos foram curtos e mal tive tempo de comer.
Deixa-me verdadeiramente irritado que a melhor novela do momento tenha episódios de 6 ou 7 horas, um curto intervalo, e comece logo outro episódio. Das 2 da tarde às 2 da manhã. Não tenho vida para isto.
Comentários à parte, o argumento é delicioso. Ministros, assessores, agentes secretos, sequestros, roubos. Genial, tudo ao molho num guião um bocado confuso, mas emocionante.
A produção não é barata, e não esperava que Portugal conseguisse realizar uma novela assim. Há até imagens de Singapura.
Mas o melhor de tudo é a caracterização. No início da narrativa o vilão está de barba, parece agressivo, é-nos dado a entender que agrediu pessoas dentro do ministério, com um segurança no piso de baixo, que nunca é chamado, atira uma bicicleta contra um vidro para tentar fugir e roubar um computador, essa jóia cada vez mais valiosa nos dias de hoje, porque não há hipótese de copiar ou enviar ficheiros para a cloud.
Num volteface inesperado, o vilão surge sem barba, de cabelo aparado, fato e gravata, a discursar serenamente, com uma timeline de todos os acontecimentos, sem margem para grandes oscilações e a responder coerentemente a todas as perguntas de uma comissão parlamentar.
No final desta cena, entra a alegada vítima de agressão. E aqui, somos novamente surpreendidos. O realizador volta a trocar tudo, e a vítima surge com um ar de maléfica, a verdadeira vilã agora. Incoerente no discurso, irónica, fria, arrogante. Eu não queria ficar fechado num gabinete com esta personagem.
Felizmente aqui tivemos direito a uma pausa de 12 horas antes do episódio seguinte.
Chega a vez de que ouvirmos o mandante. O alegado autor moral de tudo. Continuamos agarrados ao ecrã porque esta personagem incoerente ainda se revolta com perguntas e tenta a defesa política, do indefensável.
Esta novela ainda não acabou porque o produtor percebeu que a história estava muito confusa, e decidiu marcar uma conferência de imprensa para esclarecer que provavelmente não ia fazer uma nova temporada e ia cancelar toda a produção. Mas aqui voltamos a ser surpreendidos, pois o produtor cancelou a conferência por falta de tempo.
Que grande novela, só me chateia que esteja a ser suportada por todos os portugueses que pagam impostos.
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