A chegada de um novo membro ao nosso lar é, regra geral, um evento de grande impacto nas nossas vidas. É uma ocasião que nos marca de forma tão profunda, que muitas vezes não só nos recordamos da sua data, como também de algumas banalidades que lhe estiveram associadas. Recordamo-nos do que vestimos nesse dia, da música que passava durante a viagem de carro até casa ou ainda dos brinquedos que comprámos para o recebermos.
Adoptar um animal, seja em que contexto for, determina o aumento do “agregado familiar” e altera profundamente a sua dinâmica. É a entrada de um novo elemento no nosso espaço de intimidade, o que para muitos, corresponde mesmo à duplicação de almas no seu mundo, outrora privado e agora comum. É o início de uma dependência de afeto, cumplicidade e amor.
De facto, os nossos animais passam a ser um pilar de estabilidade nas nossas vidas. São uma constante fiel, um porto seguro. Ainda que muitas vezes não consigamos verbalizar o porquê desse sentimento de cumplicidade, se nos esforçamos um bocadinho que seja, chegamos a uma conclusão óbvia:
Eles são os únicos, entre os seres com os quais estabelecemos relações de vida, que não nos julgam em momento algum.
É verdade… o vosso bicho não faz ideia se vocês faltaram ao trabalho, se traíram, se são ladrões, se mentiram aos vossos pais. Enfim, não querem sequer saber. Terminado o dia, estão lá para vos receber em festa, mimar e aconchegar, sempre!
Conhecem um melhor negócio que este? Garanto-vos que não há. E é um fortúnio tão fantástico, que abdicarmos dele está completamente fora de questão. Abraçamos esta nossa sorte e cuidamos dela. Damos-lhe alimento e carinho para a conseguirmos manter, por vezes, a todo e qualquer custo…
Dito isto, atentando às frases do parágrafo anterior, arrisco-me a dizer que conseguimos descrever os conceitos de “amor” e “paixão”, no seu modelo mais especial, raro e bonito, o bilateral.
Pois é… e por isso mesmo, é também tão difícil acreditar e aceitar que tudo isto venha ter um fim, mas ele chega sempre. E dói, muito.
A dor e o sentimento de injustiça são enormes, quando nos apercebermos que eles estão a atingir o limite. Seja por doença ou idade avançada, “de repente”, começa a custar-lhes passear, brincar ou comer. Finalmente, é o seu olhar, aquele que sabemos ler tão bem, a “gritar-nos” com tristeza, mas serenamente, que chegou a hora de partir.
Por mais difícil e duro que seja, devemos-lhes isso. Àqueles que estiveram sempre presentes e que nunca nos julgaram, devemos-lhes essa paz e dignidade, pois a opção que sobra, nada é senão egoísmo. O egoísmo de os forçarmos a viverem dolorosamente o nosso próprio sentimento de injustiça.
Afinal, ainda existem momentos em que conseguimos ser mais justos com os animais, que com os da nossa própria espécie. Enfim, temos pelo menos essa opção, assim haja força e coragem para um último acto de amor.
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