Com o anunciar de um possível fim próximo de algumas das medidas de confinamento, a prática religiosa surgiu como um tema importante. Há semanas que os crentes não vão às igrejas. Apesar de um ou outro caso mais relutante no ambiente neopentecostal, com franca influência brasileira nas suas lideranças, o universo das religiões em Portugal deu o exemplo ao encerrar cultos e ao prevenir toda a aglomeração que pudesse potenciar o alastrar da pandemia de Covid19 – grande parte delas anteciparam as medidas do Estado de Emergência.
Nunca são demais as palavras para reconhecer o esforço feito pelas confissões religiosas, começando pela maioritária, a Igreja Católica, passando por tantas outras que de imediato sobrepuseram o acatar das diretivas da DGS e a proteção dos cidadãos, a uma leitura que lhes seria muito fácil e cativaria muita gente, de antagonismo face ao mundo, demonizando-o e lendo na pandemia um castigo divino. A maturidade cidadã demonstrada foi um exemplo digno de louvor.
Mas hoje, depois de o primeiro-ministro ter recebido o Cardeal Patriarca de Lisboa para falarem sobre a reabertura dos templos ao culto, merece a pena centrar o nosso olhar de forma mais profunda nesta questão.
O regressar ao espaço sagrado, aos templos, realizando o culto e participando nos ritos, é uma dimensão essencial na cosmovisão de muitos nossos concidadãos. Esta dimensão sagrada do quotidiano é a essência da “prática” religiosa, da afirmação da pertença através do estar e do ser parte oficiante do culto. Contrariamente ao que se diz, “ir à missa” não é simplesmente “estar” no local onde um Padre oficia a dita missa; não, “ir à missa” é participar do ritual sagrado e ser, em grande medida, também oficiante ao estar em assembleia com os restantes “irmãos”.
E esta dimensão de participação religiosa, que alimenta espiritualmente o crente é, de facto, fundamental numa sociedade que tem uma herança de largos milhares de anos de vivência ritualizada da espiritualidade. E falo, naturalmente, na ritualidade que tem o cristianismo católico, mas também o evangélico, a reunião em congregação islâmica, o shabbat judaico ou, até, a reunião em loja dos maçons.
Este regresso ao espaço do sagrado vai ser gradual e vai implicar uma larga definição de regras que as instituições religiosas terão de cumprir. Ontem, o Observatório para a Liberdade Religiosa, sediado na Universidade Lusófona, lembrava a importância do trabalho colaborativo que esta abertura necessariamente implica. Uma colaboração entre religiões que deverão trocar saberes e experiências, mas também entre elas e os vários setores do Estado.
Só com um trabalho de respeito para com a Liberdade Religiosa, mas também de respeito para com a integridade e a saúde de cada um, será positivo e de futuro. Seria de uma dramaticidade tremenda a necessidade de uma futura segunda confinação devido a uma indevida gestão deste processo.