A campanha lançada há já vários meses em prol da recondução da atual Procuradora-Geral da República (PGR), insinuando que o Governo a quereria substituir pelo facto de o MP estar a dar andamento a certos processos, é um lamentável exemplo de manipulação e tentativa de aproveitamento da Justiça pela pequena política – campanha sobretudo de setores de direita que legitimamente se opondo ao Governo não se preocupam com os meios para atingir os fins. Setores que, graças também ao “estado” de muitos média, logo conseguiram pôr na agenda, fazendo até manchetes, o que o Presidente Marcelo bem classificou como um “não assunto”.
Na Constituição não havia referência à duração do mandato do PGR, que podia prolongar-se indefinidamente. Na revisão de 1997, também para acabar com tal possibilidade, foi fixado um mandato de seis anos. Mas como nada mais se diz, o mesmo PGR pode ser designado para novo e novo mandato, por igual sem limite. E a ministra da Justiça errou quando disse o contrário, decerto porque sendo magistrada do MP a prática da “casa” é a não recondução nos cargos, mesmo sem norma expressa a proibi-la. E decerto por isto mesmo a própria atual PGR sustentou esse entendimento, do mandato único, e o sindicato do setor, com quem sempre teve uma boa relação, defende-o também.
Tudo claro, sem nenhum dramatismo, a escolha do PGR a poder ser natural tema de debate e até controvérsia. Lamentável, insisto, não é haver opiniões diferentes mas verdadeiras pressões usando métodos pouco curiais e mentiras argumentativas que pretendem criar uma ideia deste tipo: “ou a procuradora é reconduzida ou se está a proteger, ou pelo menos a dar a ideia de que se quer proteger, Sócrates e quejandos”… Ora, como se costuma dizer quando cabe a um tribunal julgar certos casos mediáticos, o que se espera é que Governo proponha e Presidente decida como se as pressões não existissem. Aliás, como já aqui escrevi (VISÃO de 17 de maio), manifestando o meu apreço pela atual PGR, Joana Marques Vidal é a primeira vítima de tal campanha, que “pode levar a identificá-la com os setores políticos que a promovem”, o que não é justo para ela, nem positivo para a sua ação e para a própria instituição.
Instituição, sublinhe-se, que deve muito da sua configuração, da sua independência e da sua autonomia a Cunha Rodrigues, excelente jurista e magistrado (como mostrou em Portugal e nas suas funções internacionais), procurador-geral entre 1984 e 2000 – e que pelo seu prestígio chegou a ser falado como um bom candidato a PR. E se com ele já houve processos-crimes contra políticos, foram então recusados ao MP os meios indispensáveis para o seu trabalho. Nem dispunha de tecnologias à altura, nem da colaboração da autoridade fiscal, nem sequer podia acionar devidamente a Judiciária, o que só passou a ser possível mais tarde e para o que deu bom contributo, como ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz. E foi após processos-crimes que tiveram como acusados governantes ou dirigentes do PSD (Duarte Lima, Leonor Beleza – pelo “caso” dos hemofílicos –, Costa Freire, talvez já Oliveira e Costa), que o PSD, mormente pela voz de Marques Mendes, pediu a demissão de Cunha Rodrigues…
(Artigo publicado na VISÃO 1333, de 20 de setembro de 2018)