É de verde e encarnado que tenho o coração pintado. Verde cor do Gerês quando o sol inunda o meu país, encarnado cor do sangue de Viriato, cor do sangue das cinco chagas de Cristo, que D. Afonso Henriques viu pregado na cruz em Ourique, as cinco quinas da minha bandeira. É de verde e encarnado que tenho o coração pintado e nele reinam sete castelos, setes praças, sete ventos, sete colinas, sete pecados, sete desejos.
Na minha bandeira dorme o sol de Portugal, o céu azul do mais belo pigmento azulado, dormem as planícies, os campinos e os toiros, dormem as mulheres que tecem os Arraiolos, que bordam as colchas de Viana, que fazem o queijo da Serra, que pintam os azulejos de Azeitão, que esperam os homens na praia da Nazaré, que entretecem o vime sentadas na soleira da porta das aldeias, que pisam o vinho nas adegas do Douro, que apanham a azeitona no meu Alentejo e colhem as laranjas do nosso Algarve.
Na minha bandeira encantada bate o coração das filigranas, sonha o pobre e o rico, o industrial e o sapateiro, sonha o estudante e o pedreiro, o advogado, o arquitecto, o professor, o empresário. Sonham os médicos e as enfermeiras, os doentes e os curados, sonham os cegos e os visionários, sonham os pintores e os operários, sonham velhos e crianças, sonham sonhos de esperança, sonham noites de glória, coroadas pela vitória, sonham que os heróis da bola não falhem um passe, um livre um remate, sonham amiúde e a rebate, sonham por eles e com eles, para que a sorte os proteja, os ajude, os guie nos momentos mais difíceis, mesmo quando a derrota espreita.
Quero guardar este Verão cor de Portugal em festa, quero ser mais uma alma que se junta a tantas mais, quero sentir para sempre esta alegria imensa de ser portuguesa e ver o povo feliz, com o sonho nas mãos, meu povo português tantas vezes triste e cansado, meu povo sem chagas nem guerras, ao sossego habituado, meu povo que ama as crianças e esquece os adolescentes, que não vai aos museus mas sabe o nome dos reis, que joga à bola nos jardins e mergulha nas fontes.
É de verde já cansado e de encarnado brilhante que tenho o meu coração pintado, e nele vejo todas as cores que forram a alma de Portugal. O azul atlântico total, o amarelo do sol generoso, o branco sepulcral das igrejas, o preto dos lutos prolongados, das lágrimas expostas, quando o mar engole os homens nas noites sem luar. E a minha bandeira querida, que enche de vida as janelas do meu país, que põe o meu povo feliz, quero mantê-la assim, levantada e orgulhosa, mesmo depois do fim.