Em Portugal, as empresas familiares desempenham um papel crucial na economia, representando mais de 70% do tecido empresarial nacional, gerando mais de metade das oportunidades de emprego e contribuindo para cerca de 65% do Produto Interno Bruto (Associação Portuguesa de Empresas Familiares, 2023). Estes dados implicam que qualquer trabalhador português tem aproximadamente 50% de probabilidade de trabalhar numa empresa familiar em algum momento da sua carreira profissional. A presença dominante destas empresas no tecido empresarial nacional destaca a necessidade de investigação académica sobre as suas características distintivas e implicações para a força de trabalho (Pimentel & Pereira, 2022).
Uma empresa familiar, em termos básicos, é aquela cujos proprietários pertencem a uma mesma família. No entanto, a sua verdadeira singularidade reside na integração de dois conjuntos distintos de regras, valores e expetativas: os da família e os da empresa (Tagiuri & Davis, 1982). Esta combinação resulta em diferenças significativas que moldam a identidade organizacional e a abordagem operacional das empresas familiares, destacando a preocupação com a preservação da riqueza socioemocional (i.e., aspetos não financeiros da empresa que atendem às necessidades afetivas da família), a orientação de longo prazo e a priorização dos interesses da família, em detrimento da mera obtenção de lucro (Hernández-Linares et al., 2019).
À medida que as empresas procuram criar e promover ambientes e climas laboral favoráveis, entender estes fenómenos e as suas relações torna-se crucial para implementar e fomentar práticas de liderança positivas e, assim, garantir o bem-estar dos trabalhadores
Na complexa dinâmica organizacional destas empresas, pautada por uma amálgama de relações pessoais e profissionais, a liderança formal exerce influência crítica na satisfação dos trabalhadores, moldando o ambiente de trabalho e a prossecução dos objetivos estratégicos. Recentemente, a investigação académica sobre este contexto organizacional explorou e abordou as relações entre traços de psicopatia primária em líderes formais e os níveis de satisfação dos trabalhadores. Indivíduos com traços de psicopatia primária geralmente exibem características como charme superficial, um grandioso de autoestima, falta de empatia e uma tendência para a manipulação. Quando exibidos por líderes formais, estes traços podem ter efeitos profundos na cultura e clima organizacional e, consequentemente, na satisfação dos trabalhadores.
Estudos desenvolvidos no ISPA – Instituto Universitário sugerem que trabalhadores de empresas familiares percecionam menores níveis de psicopatia primária nos seus líderes formais do que aqueles que trabalham em empresas não familiares, havendo um impacto negativo desta perceção nos níveis de satisfação no trabalho (Pimentel & Pedra, 2023). Vários fatores podem ajudar a explicar estes resultados. Desde logo, a orientação de longo prazo das empresas familiares tende a contribuir para uma abordagem mais cautelosa na tomada de decisão, diminuindo a inclinação para condutas manipulativas (Firfiray & Gomez-Mejia, 2021). Também o contínuo escrutínio ao qual os líderes formais estão sujeitos pelos membros da família que estão ativamente envolvidos nas operações da empresa pode atenuar a manifestação de traços psicopáticas primárias (Le Breton-Miller & Breton-Miller, 2021). Além disso, as empresas familiares procuram recrutar e/ou promover profissionais que estejam alinhados com a cultura, regras e valores familiares predominantes. Este viés na seleção de líderes formais pode resultar numa presença reduzida de indivíduos com traços psicopáticos em posições liderança quando em comparação com empresas não familiares, onde as decisões de contratação dependem, predominantemente, de qualificações e experiência profissional.
Compreender a relação entre a manifestação de traços de psicopatia primária em líderes formais e a satisfação no trabalho dos subordinados oferece insights valiosos para a criação de ambientes de trabalho saudáveis. À medida que as empresas procuram criar e promover ambientes e climas laboral favoráveis, entender estes fenómenos e as suas relações torna-se crucial para implementar e fomentar práticas de liderança positivas e, assim, garantir o bem-estar dos trabalhadores.