A intuição sempre intrigou e fascinou o ser humano e durante muitos séculos foi frequentemente equiparada a um fenómeno mágico ou a uma resposta divina. O estudo da intuição remonta a filósofos como Platão, que a definiu como uma capacidade fundamental da razão humana para compreender a verdadeira natureza da realidade, e Kant, para quem esta constituía uma representação básica e imediata do mundo por meio dos sentidos.
Atualmente as propostas científicas definem intuição como um “processo cognitivo que produz uma solução, ou ideia sem o uso de um processo consciente ou lógico” (Hammond, 1996), ou uma “perceção de possibilidades, significados e relações através de insight” (Gerrity, 1987), ou simplesmente um “saber sem se ser capaz de explicar como se sabe” (Vaughan, 1979).
Mas, simplificando, o que podemos dizer serem as características da nossa intuição? Numa análise profunda sobre o seu significado, Dane e Pratt (2007) identificaram quatro características-chave: esta (1) lida com a informação como um todo (o processamento é holístico), (2) de forma inconsciente e (3) rápida, e (4) tem uma componente emocional. Muitos vêm estas características do pensamento intuitivo como contrastantes com um pensamento analítico, defendendo que a mente humana tem estas duas dimensões (ver Evans, 2008).
A combinação intuição-análise (em comparação com o uso isolado de intuição ou análise) é o segredo para decisões que levam melhores resultados do ponto-de-vista do crescimento e do lucro, principalmente, quando a quantidade de informação é elevada
O uso da intuição é necessário num mundo tão complexo e tão incerto. Mas será que podemos confiar nas nossas decisões intuitivas? Um estudo conduzido por Dijksterhuis e colegas (2006) sugere que a intuição pode ser a melhor forma de tomar decisões quando estas são mais complexas (seria difícil atender analiticamente aos muito aspetos da decisão). Num estudo desenvolvido por investigadores do Ispa (Loureiro & Garcia-Marques, 2018) ficou claro que os decisores, acedendo rapidamente às suas intuições, podem deliberadamente usá-las nas suas análises quando visam uma tomada-de-decisão racional. Fazem-no mesmo quando o resultado da intuição conflitua com informação dita analítica (i.e., informação estatística).
A tomada-de-decisão nas organizações tem dado relevo ao uso da intuição, levando mesmo autores como Matzler e colegas (2014) a referirem-se à intuição como o “ingrediente em falta” na tomada-de-decisão empresarial. Estes autores analisam dados de 600 empreendedores e gestores, e concluem que a combinação intuição-análise (em comparação com o uso isolado de intuição ou análise) é o segredo para decisões que levam melhores resultados do ponto-de-vista do crescimento e do lucro, principalmente, quando a quantidade de informação é elevada. Tal é corroborado por Hallo e Nguyen (2022) que enfatizam a dinâmica intuição-análise em ambientes de decisão complexos e incertos, propondo um modelo iceberg, com diferentes níveis de profundidade de resolução de problemas: progredindo de um nível mais superficial (i.e., mais à vista) baseado na perceção, e análise racional, para um nível mais profundo (i.e., abaixo da superfície), que envolve uma compreensão mais global e profunda da informação que é alcançada apenas através da intuição.
A intuição surge assim como uma ferramenta útil para a tomada-de-decisão organizacional, mas esta terá de ser integrada na análise cuidada e possível da situação.
Saliente-se aqui a importância da experiência (expertise). A experiência informa a intuição. São os decisores mais experientes os que detêm uma melhor capacidade para “ler nas entrelinhas” ou identificar padrões na informação de forma intuitiva – tal como os jogadores profissionais de xadrez reconhecem padrões no tabuleiro, sem precisar de analisar toda a informação em detalhe (Simon, 1967). Nas palavras que Garry Kasparov (antigo campeão do mundo de xadrez) proferiu em 2008: “Pares opostos a trabalhar em harmonia: este tornou-se um tema da nossa busca para aperfeiçoar a tomada-de-decisão. Cálculo e avaliação […]. Intuição e análise, estilo e objetividade. […] O sucesso vem do equilíbrio destas forças e do aproveitamento do seu poder inerente”.
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