As férias de verão em Portugal! Aquela canção do “meu querido mês de agosto”… as campanhas promocionais dos bancos para os clientes não residentes que incluem uma cesta com produtos regionais até acabar o stock, mas que não conseguem solicitar e entregar um cartão de débito no balcão durante um período de duas semanas, sendo que tinha avisado a gestora de conta de que iria estar em Portugal com um mês de antecedência. Os serviços do cartão do cidadão colapsados com os emigrantes que chegam todos os anos para tratar da papelada nas férias, logo quando o pessoal dos serviços está… de férias. As férias de verão em Portugal!
O sprint para conseguir ir a todos os almoços, jantares, cafés e lanchinhos com familiares e amigos que pensam que viemos um mês de férias e que por isso temos todo o tempo do mundo para estar com eles. Parece mentira, mas nós fizemos uma folha Excel com todos os compromissos que tivemos durante as férias. As saudades, os bolos, o cheiro a protetor solar, as compras do que não há lá e as conversas:
Então, vieram um mês de férias?
E como é viver no … (introduzir país de residência no estrangeiro)?
Pensam ficar lá muito tempo?
Mas não queres voltar??
Falas com os teus filhos em português?
Mas não tens medo de que fiquem muito … (introduzir país de residência no estrangeiro ou da nacionalidade dos putos)?
E por fim, como nada parece funcionar, a pergunta da guilt trip: A família/ os avós/a irmã não têm saudades dos teus filhos?
Posso responder a todas estas perguntas com qualquer uma das seguintes respostas, escolham à vossa vontade a combinação que preferirem, pois creio que todas darão respostas plausíveis:
Nem à paulada!
Estamos bem.
Cada um que agarre os seus.
E isso é mau?!
Claro que sim.
Não.
Fico sempre com a impressão de que estou a desapontar os meus interlocutores. As minhas respostas não se enquadram no imaginário português do fado emigrante e da saudade.
Não me interpretem mal. Não sou uma pessoa sem coração. Não é que não goste de Portugal. Muito se falou nestas férias da polémica do Eça e se os Maias seriam ou não seriam de leitura obrigatória. Confesso que em retrospectiva acho o Eça um bocado complexado, a sua grande atualidade vem do facto de ter vergonha de ser português. De todos os autores que me deram a conhecer na escola, foi Miguel Torga quem mais me marcou. Ao longo dos anos fui sempre retornando à sua obra. O que tem Torga de tão especial para mim? Tem toda uma galeria de personagens com “ganas de mundo”. A inquietude característica da condição humana, de querer ver o que está para além das montanhas, para além da serra da aldeia, da linha do horizonte, do outro lado do mar, a consciência da nossa pequenez face à imensidão do mundo lá fora. A liberdade de viver fora de nós.
Ora a Liberdade não tem preço. Existem pessoas para quem a emigração foi sempre uma necessidade, não tanto económica, mas existencial. Uma longa linhagem de aventureiros, exploradores, busca-vidas, nómadas. Eu não sei se o Chile será ou não o fim do caminho, eu não sei se um dia vou voltar. Eu gosto da vida que escolhi, sou mais feliz quando estou fora da minha zona de conforto.
Para mim, a ideia de voltar vem sempre de mão dada com o medo da solidão no meio de um monte de gente. Umas das queixas mais comuns entre as pessoas que regressam aos seus países de origem é justamente a incompreensão que sentem por parte do seu entorno relativamente ao desajuste que sentem no regresso. Isto tem um nome, chama-se choque cultural inverso ou síndrome do regresso. É difícil explicar uma experiência de vida que a maioria das pessoas não conheceu e não entende. Parecemos uns pedantes a contar histórias de uma viagem cara que no fundo ninguém quer ouvir. Portugal não é bom que chegue? Não nascemos aqui? O que pode ter mudado? Nós mudámos. Os estrangeirados. Mesmo quando penso nos meus filhos e nas perguntas bem intencionadas, mas carregadinhas de culpa, que me fazem, não tenho a certeza da resposta. Ganham a família que tem saudades, é certo, e que de todos os modos sempre será a família deles, mas perdem parte da identidade, perdem em parte o seu país de nascimento. Um exemplo: o meu filho mais velho vai fazer quatro anos, tem naturalmente algum sotaque. Abre as vogais ao modo fonético espanhol e tem interferências de ambos os idiomas no que respeita a algumas preposições e à conjugação dos tempos verbais. Curiosamente isso nunca foi um problema ou causa de preocupação no Chile. Sempre respeitaram a nossa herança bilíngue e realidade multicultural. As interferências fazem parte do processo de aprendizagem bilíngue. Já em Portugal, para além dos comentários gozões relativos ao sotaque, mais de uma pessoa me veio dizer, bem intencionadamente, que o meu filho gaguejava e que “tínhamos que ver isso”… o meu filho não gaguejava, estava simplesmente a escolher em que língua responder às pessoas. Estes comentários demonstram desconhecimento relativamente ao bilinguismo e falta de interesse pelas diferenças culturais. Em Portugal os meus filhos seriam só portugueses… e com defeito na fala! O Chile, o seu país de nascimento, passaria a ser um fait divers, para animar alguma conversa aborrecida sobre a América Latina. Desculpem-me por pensar que ser só português é menos enriquecedor do que poder ser português e chileno.
Já no fim das férias, houve um taxista à moda antiga que me ajudou um pouco a reconciliar estes pensamentos. Olhou para o meu filho mais novo e disse: “Ena, olhos azuis, sapatos azuis, ainda vai ser do Belenenses!”. Ora aí está uma linha de raciocínio inexplorada. Ser chileno e do Belenenses! Esse clube azul clarinho com vista para o Tejo. A sabedoria dos estranhos com quem nos cruzamos. O meu mundo não é a preto e branco e é tão bom relembrar que o Tejo é azulinho e corre para abraçar o mar desde que o tempo é tempo, como na canção dos Madredeus.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: 3 dias, ainda nem arrumámos as malas…
Nas notícias por aqui: o caso Robles.
Sabia que por cá: se continua a fumar como se ainda estivéssemos nos anos 80. É impossível estar numa esplanada, passadeira de peões, praia, ou qualquer outro lugar ao ar livre em Portugal sem estar a levar com o fumo de alguém. É insuportável. Fumar não é cool, nem moderno, não é sinal de emancipação da mulher, não ajuda a meter conversa e é falta de educação levantar-se da mesa para ir fumar quando ainda estão pessoas a comer. Creio que temos aqui um problema a nível nacional.
Um número surpreendente: 14 dias, 1 mil folhas, 1 bolo de arroz, 1 croissant, 1 pastel de nata, 1 pão de Deus misto, 5 bolas de Berlim…