Os pais e mães dos cidadãos do mundo não escolheram a distância que os separa dos filhos. Deram-lhes as asas e, por arrasto, embarcaram nas jornadas inesperadas que se seguiram, de coração nas mãos e coragem em riste para não interferirem.
Não escolheram a dor das partidas que testemunham vezes sem conta. Assim como não imaginaram um dia sentir a euforia das inúmeras chegadas a que iriam assistir durante a vida.
Nós, as crias, também não escolhemos a parte dolorosa dos voos a que nos propusemos. Assim como não previmos a magia que iria permear a vida fora do ninho.
São dois lados da mesma moeda, onde dançamos entre a saudade profunda e a beleza única que a vida de transeunte continua a criar.
Às vezes a distância distrai-nos da tristeza que nos separa dos que nos deram vida. Mas não há um dia que passe em que não estejam connosco, em pensamento e coração. Para os pais e mães que observam de longe, até pode parecer que é indiferença, mas não se deixem enganar; às vezes é mais fácil ocuparmo-nos com a vida do que lamentar esta separação ingrata.
As chamadas virtuais vão apaziguando o coração mas, por muito que custe admitir, nunca serão substituto para a partilha física dos momentos mais especiais e, talvez mais importante, dos mais mundanos.
Mas eis o que a distância me fez questionar de forma autêntica e profunda: se a geografia não tivesse interferido, será que os que me deram asas saberiam melhor o que penso, o que sinto, os desafios que enfrento? Seria o nosso relacionamento mais rico?
Às vezes, penso que não, porque vejo que a minúcia das coisas desgasta os que se têm por perto.
É que a partilha diária das coisas mundanas da vida às vezes afasta-nos do que se passa debaixo do pano, do que realmente importa, das conversas que nunca tivemos, mas deveríamos ter tido; daquilo que nos consome e, ao mesmo tempo, enche a alma.
De certa forma, os quilómetros que nos separam permitem uma partilha mais profunda, destilada ao que faz diferença, tantas vezes facilitada pela palavra escrita e pela urgência que sentimos quando estamos longe dos hábitos que incomodam e separam.
Será que quem vive perto do ninho também sente assim?
A verdade é que ninguém sai ileso do processo de parentalidade. Por mais puro, rico e precioso que seja o laço que une pais e filhos, ninguém está imune a feridas de guerra. Afinal a jornada é feita de emoções complexas, de desilusões, reconciliações e uma aprendizagem que dura a vida toda.
Pai e mãe amparam quedas, ensinam, perdoam, recuperam de choques que não esperam, cometem erros, sim, mas que nunca esqueçamos que têm os corações mais corajosos do mundo. Porque não há processo mais rigoroso que a aprendizagem em voo quando estão em jogo as vidas que geraram.
Nós, os filhos, quebramos barreiras (às vezes sagradas), esticamos limites, desiludimos, caímos vezes sem conta, rejeitamos amparo e só aprendemos verdadeira compaixão quando deixamos o ninho ou quando chega a nossa vez de gerar nova vida.
É nisto que a distância é muitas vezes uma benção inesperada; remenda as feridas do passado e apazigua corações sentidos, ainda que nos custe o acompanhamento, de braços dados, das vitórias, das perdas e de cada etapa nova da vida.
Sobretudo, a distância dá tréguas às nossas diferenças e cria um sentimento de gratidão profundo que talvez não seja possível na mesma medida quando tomamos por garantido o apoio e o amor dos que sempre tivemos por perto.
Este amor, plantado firme em cada aventura, ganha uma força inabalável quando não há tempo a desperdiçar com mesquinhices. E ainda mais quando percebemos o previlégio que é ter data marcada para o próximo encontro.
Perto ou longe, resta-nos honrar da melhor forma o amor que nos une aos corações guerreiros que nos deram vida.