
Faço parte de um grupo de pessoas que sempre olhou para o Reino Unido de baixo para cima. Somos muitos, embora poucos o reconheçam. Sempre tive aquela visão meio subserviente de sermos infinitamente piores que os ingleses. Em tudo. Quando vim viver para Londres depois de anos a ouvir “lá fora é que é bom”, foram várias as vezes que deixei outros falar primeiro só por achar que iam ser melhores. Por alguma razão o Reino Unido é um dos países mais ricos e poderosos do planeta. Por alguma razão os escritórios centrais das grandes multinacionais são quase todos aqui, por alguma razão Oxford e Cambridge são nesta ilha e não noutra qualquer.
É mentira. Somos tão bons ou melhores, se é que comparações deste tipo servem para alguma coisa. E eles, os ingleses, também às vezes conseguem ser tão maus ou piores.
Política.
Uma vergonha. Hoje são as eleições e é tudo uma vergonha. Vai ganhar uma senhora desengonçada, antipática, que se veste como se fosse centenária e alterna entre pendurar ao pescoço correntes de presidiário ou bolas para a árvore de Natal. E, verdadeiramente relevante e grave, uma senhora que está a levar a ilha para mares longínquos à sombra de uma ideia de soberania que só ela e os seus seguidores parecem defender. Uma visão fechada, conservadora, ultrapassada e que cheira a mofo. Tal como os adereços.
Theresa May chegou a Downing Street no ano passado sem que ninguém tenha votado nela e depois de 7 anos à frente do Ministério do Interior. Foi aí que, aliás, tomou a decisão de diminuir em 20.000 o número de policias nas ruas. Em vésperas de eleições, depois de três atentados em solo Britânico em menos de três meses, e em plena campanha eleitoral, veio arrepiar caminho e dizer que o número de policias armados voltou a aumentar em 2015. Conveniente. Ainda assim ficámos a saber que um dos terroristas responsáveis pelo atentado de sábado passado entrava e saia deste país as vezes que queria, enquanto as autoridades italianas avisavam que não era flor que se cheire. Estaremos tão seguros como nos garantem?
May é a cara do Brexit. Mas nem isso soube fazer bem. Andou a apregoar que o Reino Unido iria ficar mais forte fora da União Europeia e a achar que – lá está a obsessão pela ideia de um Reino Unido soberano – chegava a Bruxelas e conseguia liderar as negociações. Pelo contrário, não foram poucas as vezes em que a vimos sozinha, sem ninguém lhe dar importância. Não percebeu que o Brexit está agora à mercê do que os 27 decidirem e que já não depende dela.
O referendo foi há praticamente um ano e até agora nada, nada aconteceu. Até Março, a desculpa era que estava a preparar a pasta. Em Março lá carregou no botão, mas uma vez mais nada aconteceu. Será soft? Será hard? Ninguém sentiu nada. A prioridade era fazer a jogada estratégica de convocar eleições
para assim poder receber um apoio estrondoso – maioritário – no dia 8 de junho para poder levar o Brexit em frente como bem entendesse. Entretanto o relógio não para, e há mais de 60 milhões de pessoas à espera de conhecer o seu destino enquanto a senhora brinca aos estrategas.
Pior. May é inconsequente. A pouco mais de 24 horas das eleições veio dizer que quer a mudar as leis que protegem os direitos humanos se isso ajudar a combater o terrorismo. Será que sabe o que está a dizer? Além do Brexit, agora quer abandonar a Convenção Europeia de Direitos Humanos?
Mas May é uma mulher de sorte. Hoje em dia só há dois partidos relevantes neste país e o líder do outro, trabalhista, tem um discurso que congelou no tempo. Depois há um terceiro, liberal, aberto ideologicamente, que devia estar a dar cartas mas não consegue porque o seu líder também deixa muito a desejar. Pena. Há ainda os partidos regionais e o UKIP, que não merece sequer uma linha deste texto. Ah, e os verdes, que não passam dos 3%.
Estes anos em Londres, mas sobretudo esta primeira ministra e toda a fanfarra que envolve estas eleições trocaram-me as voltas. Dei por mim a olhar de cima para baixo. E não me sinto muito mal com isso.
VISTO DE FORA
Dias sem ir a Portugal: quase dois meses.
Nas notícias por aqui: Eleições, eleições, eleições.
Sabia que por cá…contaram-me que as eleições são à quinta-feira porque antigamente era dia de mercado, e por isso as pessoas aproveitavam a vinda às vilas e cidades para votar
Um número surpreendente: apesar do que se diz, Londres tem uma média de 150 dias de sol por ano