No próximo fim de semana, vamos conhecer o vencedor das legislativas e o novo campeão nacional de futebol. Mais do que uma coincidência improvável, esta junção de acontecimentos deve ser vista como uma sincronia feliz e oportuna, já que nos vai permitir observar, num mesmo período temporal, as semelhanças entre dois universos – a política e o futebol – cada vez mais dominados pela irracionalidade e o tribalismo, ambos repletos de discussões estéreis e igualmente abalados por casos obscuros, como acusações de corrupção e de compadrio.
Porém, uma diferença será absolutamente percetível nos próximos dias: o campeão de futebol vai ser muito mais vitoriado nas ruas e praças do País do que o vencedor das eleições.
Há razões objetivas para isso. E a principal é que esta campanha eleitoral não conseguiu, até ao momento em que escrevo estas linhas, empolgar quem quer que fosse. A esmagadora maioria dos partidos limitou-se, na verdade, a cumprir calendário, como um remake de Hollywood feito à pressa, mas que, como sempre acontece, não consegue ser melhor do que o original e fica a anos-luz dos “clássicos” de outros tempos.
Até ao momento, foi tudo uma repetição daquilo a que tínhamos assistido há pouco mais de um ano: o mesmo esquema de debates, as mesmas personagens, quase sempre as mesmas propostas, temas, ideias, e até o tom das polémicas do costume. E, invariavelmente, uma crescente sensação de cansaço e de déjà-vu entre os eleitores – o que não quer dizer que isso se reflita na abstenção, reconheço.
Acima de tudo, percebeu-se que nas direções das principais campanhas não existiu vontade de tentar elevar o debate. Numa época dominada pelas perceções, apenas procuraram transmitir sensações e emoções. Mais do que difundir ideias ou propostas mobilizadoras, só se viu a preocupação em maquilhar a imagem dos principais candidatos. Mostrá-los simpáticos, sorridentes, ativos e joviais. De tal forma que, mesmo nos momentos em que Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos precisaram de se mostrar mais combativos, ficou-se sempre com a ideia de que o olhar determinado ou o discurso mais empolgado estavam cuidadosamente domesticados, para não ferir suscetibilidades ou criar sensações de repúdio nos públicos identificados como alvo.
A preocupação principal foi a de procurar momentos e situações que pudessem ser condensados em vídeos de 30 segundos nas redes sociais, de maneira a suscitar gostos e partilhas.
Ao contrário do que sucedia no passado, em que os candidatos procuravam, ao longo da campanha, proferir uma frase ou criar um caso que, em seguida, fosse replicado em títulos dos jornais ou na abertura dos serviços noticiosos da rádio e televisão, desta vez, mesmo com o batalhão de repórteres atrás deles, deu sempre a ideia de que apenas tentavam produzir momentos engraçados, que depois podiam ser editados pelas suas máquinas de campanha para serem partilhados, numa narrativa alternativa à da comunicação social.
Sem exagero, podemos afirmar que esta foi a primeira campanha eleitoral em que, de forma descarada, os candidatos se preocuparam muito mais com o entretenimento do que com as notícias. Por isso, tiveram disponibilidade para os programas mais populares de televisão e para os formatos alternativos de informação, de respostas rápidas, leves e divertidas, do que para as entrevistas de fundo, em que se pudesse, de facto, discutir política.
A divulgação contínua de novas sondagens, dando a ideia de que estávamos a assistir a uma corrida em direto, ajudou também a alimentar uma nova realidade política, cada vez mais visível em muitos países: as eleições transformaram-se num campeonato, em que apenas se discute a classificação de cada partido como se fosse um clube, sem se prestar atenção aos assuntos mais complexos, mas decisivos para o futuro. O resultado foi aquele a que assistimos: o tema da educação, fulcral para o desenvolvimento do País, esteve ausente da campanha, bem como as grandes questões internacionais ou a resposta às novas prioridades em matéria de defesa europeia, ou seja, mais uma semelhança da política atual com o futebol, em que, nos programas de TV, se passa mais tempo a discutir o secundário (as arbitragens e os casos) do que o principal (a beleza do jogo).
Neste fim de semana de emoções ao alto, veremos se existe uma outra parecença, condensada na resposta a esta pergunta: Para o ano há mais? No futebol, qualquer que seja o resultado, sabemos que sim, na política vamos lá ver o que nos diz a contagem dos votos sobre a probabilidade de, em 2026, voltarmos a ter eleições legislativas.
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