1 – “Nada une tão fortemente como o ódio – nem o amor, nem a amizade, nem a admiração.” A velha frase do escritor russo Anton Chekhov nunca esteve tão atual como nestes tempos de irracionalidade à solta em que vivemos. Tempos em que o ódio, alimentado pelo desvario das redes sociais e utilizado como combustível por políticos populistas, é usado até à exaustão para transformar qualquer debate num campo de batalha. Com as consequências que se conhecem: qualquer ataque mais violento ajuda sempre a cerrar fileiras de um lado e, em simultâneo, desencadeia uma resposta igualmente agressiva do adversário, numa espiral que rapidamente fica fora de controlo.
O ódio aos imigrantes é hoje o combustível que anima os partidos extremistas de direita um pouco por todo o mundo. E fizeram-no tão insistentemente e com base em tanta desinformação que, aos poucos, acabaram por conseguir torná-lo um tema central no debate político, na maior parte dos casos pelas piores razões, sem que existissem factos que o justificassem.
A realidade acaba, no entanto, por se sobrepor sempre às perceções. Dentro de poucos anos, Portugal vai entrar numa nova era de grandes obras públicas e, portanto, há uma pergunta que se impõe: alguém pensa que o novo Aeroporto Internacional de Lisboa vai ser construído dispensando a mão de obra imigrante? E a pergunta pode ser repetida também para a construção das novas linhas de alta velocidade Lisboa-Madrid e Lisboa-Porto-Vigo. Além da terceira travessia sobre o Tejo. Se outros motivos não existissem (e existem tantos!), só estes chegariam para demonstrar como a imigração deve ser analisada no âmbito de uma estratégia nacional, alicerçada nos valores do País e no seu desenvolvimento económico e social. Onde o ódio não pode entrar.
2 – De tempos a tempos, a sustentabilidade da Segurança Social é posta em causa. Mesmo, como é o caso, quando o sistema até apresenta resultados animadores, graças ao quase pleno emprego e às contribuições da população imigrante. A demografia exige, no entanto, que se encare o futuro com cautelas. Até porque há uma espécie de bomba-relógio que não pode ser ignorada: estão a chegar agora à idade legal de reforma (atualmente nos 66 anos e sete meses) todos aqueles que nasceram no final da década de 1950 e no início da de 1960 – quando havia, de forma consistente, mais de 210 mil novos bebés por ano (hoje são cerca de 84 mil). Ou seja, como se começa já a assistir em muitas profissões, há setores onde vamos começar a assistir à saída de mais profissionais do mercado de trabalho do que aqueles que entram.
Qualquer discussão sobre a sustentabilidade da Segurança Social devia incluir, por isso, uma reflexão aprofundada sobre as estratégias de emprego, e não apenas sobre as contas públicas. Até porque há uma pergunta de resposta difícil: quantos licenciados em início de carreira serão necessários para pagar a reforma de um licenciado que se aposenta no topo da carreira? O problema das reformas, se calhar, é um dos vários em Portugal relacionados com os baixos salários.
3 – Uma pequena empresa chinesa, desconhecida da maioria dos mortais até há poucos dias, conseguiu, num ápice, abalar aquilo que parecia uma certeza inabalável: a de que os EUA eram líderes incontestados da Inteligência Artificial e que, por essa via, estavam prontos a dominar o mundo. O espetáculo dos líderes das empresas tecnológicas americanas, que são em simultâneo os homens mais ricos do mundo, na cerimónia de tomada de posse de Donald Trump foi visto, aliás, como a encenação perfeita para projetar essa imagem. Afinal, o êxito imediato da DeepSeek, que conseguiu melhores resultados do que as gigantes americanas com muito menos dinheiro envolvido, levanta agora uma outra hipótese sobre a união repentina de Musk, Bezos e Zuckerberg com Trump: a de que os EUA precisam mesmo de se unir para resistirem ao avanço da China, o país que, atualmente, forma mais engenheiros, técnicos e cientistas por ano. Mas fica também outra pergunta, em busca de resposta: o financiamento milionário das gigantes tecnológicas tem servido para desenvolver novas tecnologias ou apenas para deixar os mais ricos… ainda mais ricos?
4 – Escrevo esta página, como habitualmente à terça-feira, mas desta vez na véspera de um momento que pode ser decisivo para a VISÃO: a reunião da assembleia de credores que vai analisar o processo de insolvência da Trust in News, empresa proprietária da revista, cujas dificuldades financeiras se tornaram públicas ao longo do último ano. Não faço a mais pequena ideia do que poderá ser decidido nessa assembleia, cujo resultado já será conhecido quando esta edição chegar às mãos dos leitores. Sei, no entanto, que apesar desta inquietação, a VISÃO continua a merecer a confiança de milhares de leitores e a ser escrita, fotografada e paginada (em papel, no online e em várias extensões de marca) por uma redação que não vacila nos seus princípios de jornalismo rigoroso, atrativo e de qualidade. Foi essa confiança, manifestada de múltiplas formas, que nos animou nos tempos difíceis. E é essa confiança a única certeza que temos para o futuro – qualquer que seja.
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