A tomada de posse de Donald Trump como 47º Presidente da História dos EUA marcou o início formal de uma nova era, em que a América assume um comportamento diferente em relação ao resto do mundo, altera as suas prioridades e redefine a sua postura em relação àqueles que foram os seus aliados do pós-II Guerra Mundial.
Com o ego inflamado, embora sem esconder os muitos ressentimentos, e rodeado de oligarcas que projetam o seu domínio muito para lá dos quatro anos de um mandato presidencial, Donald Trump mostra-se determinado a mudar a face do país mais poderoso do mundo, seguindo um único caminho: preocupar-se apenas com a América e nada mais do que a América. Tudo o resto só lhe interessa desde que contribua para o engrandecimento e o enriquecimento dos EUA. Caso contrário, nada vale o esforço nem o tempo perdido.
Ninguém se engane: Trump apenas promete fazer a América grande outra vez. Nunca ninguém o ouviu dizer que queria ter também os seus aliados, antigos ou recentes, grandes novamente. E quando fala no Ocidente, a sua visão é bem mais limitada do que aquela que se convencionou designar nos tempos da Guerra Fria: refere-se àquela zona em redor dos EUA, englobando uma esfera de influência que ele deseja que vá da Gronelândia ao Panamá.
Este é, portanto, o momento em que a Europa precisa de perder as ilusões em relação ao “amigo americano” e de começar, rapidamente, a alterar os hábitos das últimas décadas e, sem demoras, mudar de trajetória. O tão falado diálogo transatlântico, incensado durante décadas, prepara-se para ser interrompido por Trump. Da Europa, ele não quer parceiros, mas somente clientes: países que lhe comprem o petróleo e o gás natural que ele vai extrair das imensas reservas do território americano, ao alcance de mais uns quantos furos, mesmo que sejam em regiões que deviam estar sob proteção ambiental. Em matéria de Defesa, a Trump apenas interessa que os europeus lhe comprem armamento, porque em relação à disputa de fronteiras com a Rússia considera que não é assunto que lhe diga respeito. Além disso, quer que os automóveis europeus fiquem mais caros para os americanos, através de novas taxas, e vai apoiar até ao limite todas as suas empresas tecnológicas nas disputas legais na União Europeia sobre as regras de privacidade.
Neste contexto, mais importante do que estar a analisar – ou a horrorizar-se… – com as consequências e os efeitos sistémicos previsíveis das decisões da nova Administração em Washington, a Europa precisa de se virar também para dentro e procurar analisar de que forma pode crescer, desenvolver-se e evitar o papel irrelevante em que pode cair num mundo dividido entre os EUA e a China. O diagnóstico é tão simples quanto brutal: ou a Europa se esforça para ser grande ou fica condenada a um futuro insignificante.
A entrada em funções de Donald Trump e o anúncio formal das suas prioridades constituem, inegavelmente, uma ameaça à Europa. Mas a resposta tem de ser dada pela própria Europa, de forma a sobreviver ao “desafio existencial” proclamado por Mario Draghi, há alguns meses, na apresentação do seu relatório sobre o futuro e a competitividade da União Europeia.
Para “mudar radicalmente” a Europa, tornando-a mais produtiva, mas “preservando os valores de equidade e inclusão social”, Draghi propôs, no seu relatório, um plano de investimento colossal, da ordem dos 800 mil milhões de euros anuais – o dobro do Plano Marshall do pós-guerra. E que teria de ser financiado através da emissão regular de dívida conjunta, o que deixou muitos políticos do Centro da Europa, nomeadamente os alemães, em choque, levando a que o relatório não tivesse sido suficientemente discutido no seio da União Europeia, como seria necessário.
Agora, à falta de outros planos, este é o debate que precisa de ser feito – e o mais depressa possível. Para sobreviver, a Europa não pode ignorar os avisos de Draghi, necessita de ganhar autonomia e de se fortalecer em três eixos principais: inovação tecnológica, segurança e descarbonização. Para se afirmar perante o resto do mundo, a Europa precisa, ainda, de saber ocupar os espaços deixados vazios pelos EUA de Trump: a transição energética, o apoio à Organização Mundial da Saúde, a regulamentação das criptomoedas, o controlo da Inteligência Artificial, a defesa da equidade e do Estado social.
Face a Trump, a resposta europeia tem de se inspirar na gloriosa frase de John F. Kennedy: Não perguntem ao Presidente da América o que pode ele fazer pela Europa. Perguntem, isso sim, aos europeus o que devem fazer pela Europa. É essa a única resposta que conta.
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