Os tempos são propícios ao pessimismo. Em especial quando o discurso público está dominado pelas indignações permanentes, as redes sociais ficaram cada vez mais transformadas em ringues de boxe – mas de rua, sem regras nem cavalheirismos – e os debates deixaram de ser centrados na realidade para se debruçarem sobre as perceções, em que apenas as negativas são valorizadas e dissecadas até muito para lá da exaustão.
O pessimismo é, ainda por cima, acentuado quando olhamos para o mundo e parece que o caos está instalado um pouco por todo o lado. Os sinais são evidentes: cresce o individualismo e perderam-se noções básicas de solidariedade. O humanismo ficou reservado para algumas raras ocasiões – mais para quando “fica bem” do que para quando seria necessário e até urgente.
Muita da raiva que tem sido canalizada para os partidos extremistas e radicais nasce precisamente deste desencanto latente que se vai manifestando entre quem considera que foi ficando para trás, com dificuldades no acesso à habitação, sem perspetivas de melhoria salarial e, pior do que tudo, com a sensação de que o seu papel na sociedade é menos valorizado e, por isso mesmo, mais dispensável.
À custa de ouvirmos e lermos que “está tudo pior” e que “nada funciona”, vamos destruindo, aos poucos, o pilar essencial de qualquer sociedade: a confiança em nós próprios, enquanto comunidade. Não é por acaso que os inimigos da democracia e das liberdades são, precisamente, os que mais gostam de espalhar o caos e a desconfiança nos serviços e instituições que deveriam representar-nos e proteger-nos. Aproveitam todos os motivos para desmoralizar espíritos. E usam o pessimismo para destruir aquilo que, no fundo, sempre foi o motor do progresso: a esperança.
É nestes momentos de caos e de pessimistas encartados que se torna mais importante não perder a esperança. E acreditar que o futuro, como tantos exemplos do passado demonstraram, pertence aos otimistas, aos que acreditam no progresso, aos que não desistem de melhorar a vida e as sociedades.
Neste mundo cada vez mais habitado por líderes carrancudos e de ar zangado, em que o sorriso passou até a ser menosprezado por muitas máquinas de campanhas eleitorais, não podemos deixar-nos ceder pelo pessimismo.
Vários trabalhos científicos já identificaram uma relação direta entre o otimismo e a longevidade, por exemplo. Um estudo realizado, em 2019, com base em inquéritos feitos em 15 hospitais dos EUA, revelou que os indivíduos com níveis mais altos de otimismo tinham um risco 35% menor de sofrer de doenças cardiovasculares, bem como uma menor taxa de mortalidade. Por outro lado, outros estudos indicaram que as pessoas mais pessimistas tendem a ter hábitos de vida menos saudáveis e a importar-se menos com o seu bem-estar. Além de que o pessimismo patológico pode ser, muitas vezes, uma autoestrada para a depressão – um fator de risco também para as doenças cardiovasculares.
Da mesma maneira que as perceções erradas devem ser combatidas com factos, também o pessimismo só pode ser atenuado se, a cada motivo de desânimo, conseguirmos apresentar um dado ou uma realidade que incuta esperança. E é nesses momentos em que nos vemos rodeados de guerras, de convulsões e de incertezas, que devemos recordar-nos de que, apesar de tudo, o mundo está melhor do que tantas vezes nos parece ou é difundido pelos agentes do caos.
Mais do que nos concentrarmos nas perceções, temos de regressar ao tempo em que confiávamos, naturalmente, nos factos. E acreditar nos indicadores fornecidos pelas instituições válidas e de trabalho comprovado. Deixar de pensar que cada estudo ou estatística que contrarie a nossa perceção – própria ou induzida por outros – teve origem numa qualquer conspiração, de motivos ocultos. A realidade é bem mais transparente. E a verdade é que, por exemplo, apesar de todos os problemas nos serviços de saúde, a esperança média de vida continua a aumentar em Portugal, as vacinas reduziram a mortalidade infantil em 40% a nível mundial, nos últimos 40 anos, e que, nas décadas recentes, mais de 1,2 mil milhões de pessoas do planeta escaparam à pobreza extrema. E mesmo que ainda esteja muito por fazer no domínio das alterações climáticas, convém ter a noção de que, atualmente, por cada dólar investido em petróleo, gás e carvão, é gasto o dobro na produção de energias renováveis. O mundo precisa de mais otimismo.
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