Graças a uma rigorosa e bem documentada reportagem da revista Time, já sabemos o que fará Donald Trump se, em novembro, ganhar novamente a eleição para a presidência dos EUA. Com base em duas entrevistas com o próprio e muitas conversas com alguns dos seus colaboradores mais próximos, a revista revela-nos como Trump está pronto para, logo após tomar posse, dar ordem de expulsão a milhões de imigrantes, interferir pessoalmente em alguns processos judiciais que envolvem os seus apoiantes, virar do avesso as relações de Washington com os seus parceiros na Europa e na Ásia, fazer retroceder diretamente muitos direitos, liberdades e garantias dos seus compatriotas e, no limite, suspender a democracia, sob o pretexto de que o povo norte-americano, em determinadas circunstâncias, aceita uma ditadura (conforme pode ler, nesta edição, a partir da página 58).
Se os planos de Donald Trump se tornaram claros neste trabalho da Time, já as propostas de grande parte dos seus amigos europeus e de outras partes do mundo foram assumidas de modo gritante – no sentido literal do termo –, no último fim de semana, em Madrid. Num cenário declaradamente inspirado – e já ensaiado – nos eventos de apoio a Trump, o partido de extrema-direita Vox preparou uma convenção em que, com a presença de vários líderes de organizações populistas, nacionalistas, radicais e iliberais, procurou apresentar aquela que já se assume como uma aliança internacional para tentar conquistar os vários centros de poder no chamado mundo ocidental. O seu primeiro objetivo são as eleições europeias de 9 de junho. E o segundo, naturalmente, será ajudar Trump a garantir, em novembro, o seu regresso à Casa Branca.
Apesar de alguns destes partidos liderarem as sondagens em países como França ou Itália, ninguém espera que possam alcançar a maioria no Parlamento Europeu que for formado nas próximas eleições. Mas começa a ser evidente que, com o reforço do número de deputados, aliado aos assentos que já detêm no Conselho Europeu (através de Giorgia Meloni, em Itália, e de Viktor Orbán, na Hungria), fica aberto o caminho para se criarem mais forças de confusão e de bloqueio no coração das instituições europeias. E, dessa forma, desferir um ataque à credibilidade dos valores em que se foi construindo a União Europeia, ao longo de décadas.
Quem se der ao trabalho de ler as intervenções que ali foram proferidas, depressa chegará a uma conclusão: quando se juntam, os líderes populistas e de extrema radical perdem a vergonha e já não sentem necessidade de adocicar o discurso para os eleitores. O que traz uma vantagem: fica evidente o radicalismo das suas propostas, a cegueira dos seus propósitos e a violência dos seus ataques à democracia.
Sem filtros, o espanhol Santiago Abascal, a italiana Giorgia Meloni, a francesa Marine Le Pen, mas também políticos trumpistas ou até um ministro do governo israelita de Benjamin Netanyahu repetem todos as mesmas diatribes contra a imigração, prometem lutar contra a “agenda globalista” das duas maiores famílias políticas do Parlamento Europeu (PPE e PSE), partilham o mesmo sonho de um continente branco, composto apenas por famílias cristãs, imune ao “supremacismo feminista” e recusam, em qualquer circunstância, as medidas de uma agenda verde ou os objetivos da transição energética.
Entusiasmado pelo ambiente, André Ventura foi até ao ponto de defender “fronteiras fortes” para impedir “a imigração islâmica e muçulmana”. E, dessa forma, salvar “o futuro da nossa civilização”. Será que voltará a repetir algo semelhante em Portugal, nomeadamente na Assembleia da República? E, nesse momento, até onde irá a tolerância de José Pedro Aguiar-Branco em relação aos não limites da liberdade de expressão?
Provocações à parte, o que parece evidente, após a leitura ou audição da convenção de extrema-direita em Madrid, é que os partidos populistas não têm outra agenda que não seja a de exibir a luta contra a imigração e o fecho de fronteiras como principais bandeiras. Porque, na realidade, sobre a defesa dos serviços públicos ou sobre a justiça social pouco ou nada têm a dizer. Além de, claro, nada se ter ouvido acerca a invasão russa da Ucrânia. Que não restem dúvidas de que os principais inimigos de uma União Europeia, assente em valores democráticos, estão mesmo no seu interior.
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