“Eu vi o futuro / é assassínio. As coisas vão derrapar / Derrapar em todas as direções.”
Quando, em 1992, Fukuyama vaticinava o fim da História, Leonard Cohen escreveu uma letra mais certeira em matéria de antecipação do que vinha adiante. Sabemos hoje que o futuro não seria a paz eterna, o equilíbrio e a cooperação benigna entre nações, mas a guerra e uma derrapagem lenta das democracias liberais.
Aqui estamos hoje, saídos de uma pandemia que desestruturou modos de vida e com as redes sociais a exacerbarem o pior que há nas pessoas, a lidar com os efeitos de uma inflação histórica, com o mundo num movimento de inversão da globalização, de olhos postos em dois conflitos, na Europa e no Médio Oriente, num contexto onde autocratas e populistas saem fortalecidos com a desordem, o medo e o ressentimento que brotam um pouco por toda a parte, e que deixam as populações permeáveis ao engodo das propostas fáceis para problemas complexos.
Não querendo fazer de Cassandra – a profetisa da mitologia Grega que anunciava profecias difíceis de acreditar –, tudo pode piorar ainda mais. A História não se repete nem se adivinha, mas a rampa deslizante é evidente e desenha-se à frente dos nossos olhos, ressoando à sucessão de acontecimentos singulares e imparáveis que, nas décadas de 20 e 30 do século passado, assolaram a Europa e o mundo.
Não é preciso muita imaginação para antecipar um conjunto de cenários assustadores, caros leitores e leitoras. Venha daí comigo numa viagem ao futuro. Donald Trump volta a ganhar a corrida presidencial norte-americana em 2024 e instala-se no poder para ficar, amnistiando-se a si próprio e vingando-se de quem tentou levá-lo à Justiça. Pelo caminho, proíbe o aborto em todos os EUA, ceifa direitos fundamentais e desmantela a NATO. No Médio Oriente, Bibi Netanyahu terraplana a Faixa de Gaza, dizimando grande parte da população palestiniana, vítima da fome, da sede, das doenças e das bombas, ao mesmo tempo que se defende de um conflito que se alastra aos países circundantes. No Oriente, Xi aproveita o momentum (e o apoio russo – quem não se lembra da reunião, em Pequim, em que os dois chefes de Estado anunciaram estar a “trabalhar juntos para promover uma ordem mundial verdadeiramente multilateral, reunindo esforços para defender o verdadeiro espírito democrático”) e invade Taiwan, obrigando os Estados Unidos da América a defender o pequeno estado e a entrar numa guerra sem fim à vista. Na Europa, as tropas de Putin avançam no terreno e chegam a Kiev, obrigando a eleições fictícias e estabelecendo um governo marioneta controlado por Moscovo. A AfD consegue ser o segundo partido mais votado na Alemanha em 2025, e, em França, Marine le Pen alcança finalmente a presidência em 2027, pondo em causa a continuação da União Europeia tal como a conhecemos hoje. No planeta, as emissões carbónicas não abrandaram e a terra regista uma sucessão de anos consecutivos a bater recordes de temperatura, invalidando a meta de subida de apenas 1,5 ºC face ao período pré-industrial, desencadeando uma série de efeitos climáticos imparáveis e altamente destrutivos.
Ficção apocalíptica ou um desfecho possível, depende apenas do ponto de vista e do grau de confiança e esperança que cada um conserva na Humanidade para não cometer erros suicidários. Como o meu grau de ambas é pequeno – vejo o Homem como capaz do melhor, mas, sobretudo, do pior, nestes tempos de leveza e estupidificação –, nada disto me parece totalmente inverosímil. A começar pela reeleição de Trump, o acontecimento que seria verdadeiramente desestruturante para a ordem mundial, mais ainda do que foi a sua vitória em 2015 e que mudou o curso da História, lançando réplicas e ondas de choque um pouco por todo o mundo.
O historiador Simon Sebag Montefiore, que se aventurou a traçar a epopeia do Homem civilizado em O Mundo, diz que a História da Humanidade é como “uma daquelas cláusulas de aviso ao investimento: o desempenho passado não é garantia de resultados futuros”. “A dureza da Humanidade tem sido constantemente salva pela nossa capacidade de criar e de amar, e que a família é o centro de ambas. A nossa capacidade ilimitada de destruir é só igualada pela nossa engenhosa capacidade de recuperação”, resume Montefiore. Eu, correndo o risco de soar mais taciturna do que o costume (virá o pessimismo com os cabelos brancos?), tenho as minhas fundadas dúvidas, mas oxalá tenha ele razão.
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