Finalmente, há uma frase que define com clareza o que tem sido a política externa de Donald Trump, desde que tomou posse. Foi dita pelo próprio Trump, à saída da cimeira que manteve com Vladimir Putin, em Helsínquia, onde os dois mostraram uma cumplicidade de pontos de vista só possível num reencontro de dois velhos amigos: “A nossa relação nunca esteve tão má como agora, mas isso mudou há cerca de quatro horas.”
Não é anedota. É apenas a prova (mais uma…) de como, nos últimos meses, Donald Trump tem transformado a diplomacia numa espécie de reality show, apenas preocupado com as audiências e os efeitos imediatos, sem se importar com as consequências que a sua ação possa ter a longo prazo – tanto para a América como, especialmente, para o mundo.
O padrão de comportamento de Trump começa a ficar claro: nos shows que gosta de montar em cada cimeira ou encontro bilateral, ele tem mostrado sempre enorme cordialidade, compreensão e até sintonia de pontos de vista com os antigos inimigos (como Vladimir Putin e Kim Jong-un) e profundo desprezo, desrespeito e espírito de confronto com os seus supostos aliados. Foi isso que fez na cimeira do G-7, frente aos líderes dos países economicamente mais poderosos do planeta, em que terminou o encontro a insultar o primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, com mais uma das suas mensagens desabridas no Twitter. Na cimeira da NATO, na semana anterior ao encontro com Putin, os insultos foram dirigidos à chanceler Angela Merkel, a quem acusou, num ato que agora ganhou contornos de suprema ironia, de estar “refém dos russos”. O mesmo desvario prosseguiu durante a visita ao Reino Unido, um tradicional e forte aliado, onde deu a impressão de querer aproveitar qualquer pretexto para partir a loiça: declarações embaraçosas para Theresa May, violação do protocolo no encontro com a rainha, mensagens de apoio ao controverso Boris Johnson e, claro, mais umas quantas acusações à União Europeia.
Tudo isto ocorre no momento em que a guerra comercial iniciada por Donald Trump, preferencialmente contra a China, começa a espalhar estilhaços um pouco por todo o lado e a preocupar seriamente o resto das economias. O FMI, por exemplo, já veio avisar que é melhor o planeta começar a preparar-se para um abrandamento do crescimento da economia mundial nos próximos anos. E os sinais de alarme surgem de todas as partes do globo, fazendo aumentar a desconfiança económica.
Neste clima de incerteza, a União Europeia deu esta semana dois passos que podem ser muito relevantes a médio prazo e que, de certa maneira, podem também enunciar alguma da nova ordem mundial: uma aproximação decidida e forte à China e ao Japão. Talvez, mesmo, quem sabe, o prenúncio de uma deslocação do eixo Atlântico para o Índico – onde, aliás, esteve o centro do poder económico mundial ao longo da maior parte dos últimos mil anos.
Numa espécie de raide-relâmpago, mas cujo significado não pode ser minimizado até porque ocorreu em simultâneo com o encontro entre Trump e Putin, em Helsínquia, a União Europeia reforçou os laços de cooperação com a China – não só a nível económico mas também com um forte empenho na defesa do ambiente e no combate às alterações climáticas – e assinou um importante e vasto acordo de livre comércio com o Japão, em que os dois lados se comprometem a abolir 99% das tarifas aduaneiras. Ou seja: a possibilidade de criar uma zona de comércio com impacto em 600 milhões de pessoas e quase um terço do PIB mundial.
Perante o protecionismo de Donald Trump, a Europa responde, desta vez sem hesitações, no reforço da globalização. É esse o caminho face à diplomacia do reality show.