Dos ingleses diz-se que quando comentavam o mau tempo no canal da Mancha logo acrescentavam “continente isolado”. Muitas das intervenções da campanha pró-Brexit apelaram aos britânicos que assim pensam – e tiveram êxito.
Mas 48 horas passadas, o discurso já tinha começado a mudar: nada de pressas, pensemos em outubro ou novembro para acionar o tal artigo 50 que prevê a saída dos países da União Europeia; só o próximo governo e o primeiro-ministro que se segue deverá fazê-lo; afinal, a simples rutura não trará tantas facilidades ao cofre britânico como se previa. E até já corre uma petição para se fazer um referendo que anule o último referendo e discute-se se este é efetivamente vinculativo.
O que parece é que ninguém percebe bem no que se meteu. Quando David Cameron, há três anos, prometeu a consulta sobre a saída da Grã-Bretanha da UE – arma que foi esgrimindo em sucessivas negociações com Bruxelas e que tinha lançado para combater a ala mais conservadora do seu partido –, o primeiro-ministro britânico talvez não pensasse que alguma vez tivesse de a usar. Mas, tal como ao aprendiz de feiticeiro, a realidade ultrapassou-o. E, assim, eis-nos aqui chegados.
Hoje não se sabe que fazer para separar a ilha do continente – os líderes europeus nem se acertam quanto à celeridade desejável para a secessão –, nem se sabe até que ponto se vai fazer a separação e, muito menos, quem mais sofrerá. Quem vai ficar isolado: o continente ou as ilhas?
Tudo isto faz lembrar Marie Curie e os seus trabalhos e descobertas com a radioatividade. Acabou por morrer vítima das experiências que realizou e dos tubos com substâncias radioativas que transportava displicentemente – porque ainda desconhecia o mal que lhe causavam.
Nos dias que correm, a sensação que existe é a de que se tomam decisões sem uma real avaliação das consequências. Vive-se num laboratório de experiências sociais, políticas e económicas. O Brexit é um bom exemplo: são tantos os que defendem que a desagregação da Europa é agora inexorável como os que dizem que surgiu a oportunidade ideal para a refundar.
Veja-se o debate inconciliável entre os defensores e os adversários da austeridade. Ainda há poucos anos se defendia – e não só em Portugal – que era preferível ter uma equipa a abrir buracos e outra a tapá-los, a ter duas no desemprego. As coisas correram mal e vieram os defensores do deixem lá os buracos abertos que as pessoas aprendem a desviar-se e aguentam os incómodos. Sem terem alcançado grande êxito, foram substituídos pelos que defendem ser necessário remendar os pisos se queremos chegar a novos destinos, mesmo que o dinheiro para as obras não esteja garantido. Hão de acertar…
Comentadores e políticos vêm confirmando o que os mais lúcidos alertam desde há alguns anos: vivemos numa época de crise de lideranças, ninguém sabe bem para onde ir, não há propostas nem projetos inovadores.
E, no entanto, a terra continua a mover-se. Numa sociedade em que se impõem as ideias curtas e incisivas, nada mais eficaz do que proclamações fáceis de entrar no ouvido. Como as que apelam a um inquérito à Caixa Geral de Depósitos (ação que tem tanto de justificável – é bom saber-se que negócios se concretizaram e quem os fez – como de preocupante – que vai restar da credibilidade de gestores e políticos se os piores cenários se confirmarem?); ou como a declaração bloquista de que também por cá haverá um referendo se forem aprovadas sanções contra Portugal. Prà frente é o caminho – eis um princípio perigoso.