Em 2004 comecei a estudar e a tentar compreender as ligações entre a economia e a felicidade das pessoas e das nações (num ramo de investigação que se chama economia da felicidade). Nessa altura, constatei que havia um conjunto vasto de investigadores internacionais, de diferentes ciências, que estavam a estudar, do ponto de vista científico, o que era a felicidade, como se podia medir, comparar entre pessoas e povos e quais os seus principais determinantes.
Desde então, esta linha de investigação científica floresceu e, hoje, já é impossível acompanhar todos os desenvolvimentos da ciência da felicidade.
Paralelamente, muitas instituições internacionais (como a ONU com o seu World Happiness Report ou a OCDE com o seu Better Life Index) têm tentado trazer esses resultados científicos para a dimensão mais aplicada dos indicadores do progresso ou do desenho de políticas públicas. Ao mesmo tempo, institutos de estatística e instituições governamentais têm tentado olhar para esses contributos e criar novas métricas de desenvolvimento nacional e/ou conduzir políticas económicas e sociais tendo por base os novos conhecimentos trazidos pela economia da felicidade e outros ramos da ciência da felicidade.
Com todo este manancial de informação, confesso a frustração de ver tão pouca utilização de tão relevante saber.
São ainda poucos os governos a nível mundial que fazem uma utilização decisiva deste conhecimento e dos indicadores de felicidade ou bem-estar. Pelo contrário, continuam agarrados ao paradigma de que o PIB é o melhor indicador de bem-estar disponível para comparações internacionais, quando o seu criador (Simon Kuznets) disse que o PIB não era um indicador de bem-estar!
Este ignorar do progresso científico, que hoje nos permite dizer que políticas mais eficientemente conduzem à felicidade, leva as sociedades a incorrem em erros de política, dando primazia ao PIB num tempo histórico em que a sustentabilidade ambiental e social são os verdadeiros perigos.
Olhando para Portugal, e tomando como exemplo o programa eleitoral dos partidos que conseguiram representação parlamentar nas últimas legislativas, o panorama é desolador: dos 8 partidos agora presentes na Assembleia da República, 4 não fazem nenhuma referência à palavra felicidade, nem à ciência que a estuda e seus resultados (PS, BE, PCP, Chega – este usa apenas a palavra infelicidade); nos outros 4, a felicidade surge, mas pouco (a AD traçou o objectivo explícito de colocar Portugal no top 10 do ranking do World Happiness Report, mas incorporando essa meta na secção da Natalidade, Longevidade e Bem-estar; o Livre usa a palavra felicidade duas vezes, com especial conteúdo no parágrafo “Diversificar os indicadores de desenvolvimento nacional, passando a incluir indicadores de desenvolvimento sustentável, como o PIB Verde ou a Poupança Genuína, dando prioridade aos aspetos mais diretamente ligados ao ambiente, qualidade de vida, felicidade, saúde e bem-estar e reforçando o seu papel na informação do sistema estatístico nacional e na monitorização das políticas e da ação governativa.”; o PAN faz uma referência à palavra felicidade no seguinte parágrafo “Construir uma ferramenta para medição do bem-estar e felicidade da população, com base em processos participativos, que permita aferir, em cada ano, o que é mais importante a nível nacional, distrital e concelhio.”; a IL usa uma vez a palavra felicidade, para se referir à felicidade aumentada dos profissionais liberais e trabalhadores independentes se pudessem gozar de licença de parentalidade).
Sei bem que de pouco serve falar de felicidade se, depois, não se efectivarem as políticas concretas que mais produzem felicidade. Sei também que alguns preferem usar a expressão bem-estar. Mas isso já é um erro: felicidade é uma palavra usada pela ciência e devemos combater o preconceito em torno dela, se queremos efectivamente promover a felicidade das nações.
Penso que todos concordarão que a finalidade última da economia e da política é aumentar a felicidade das pessoas. Num tempo em que temos a ciência a dar-nos pistas sobre como fazer isso, ignorar esse conhecimento e não o trazer para o centro do desenho das políticas tem que ser classificado como um erro injustificado.
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