Há um debate antigo relativamente ao papel da democracia no crescimento económico, havendo a ideia de que os sistemas democráticos (das ditas democracias liberais) são mais favoráveis ao crescimento económico, na medida em que promoveriam as instituições necessárias ao bom funcionamento do capitalismo.
Acontece que há, hoje, vasta literatura científica que refuta essa ligação. Pior, mostra como muitos regimes ditatoriais são muito bons a gerar crescimento económico (China, Arábia Saudita ou Singapura são casos paradigmáticos).
A verdade é que a democracia é um sistema complexo, burocrático, que gera os seus próprios custos de funcionamento (de dinheiro e de tempo), com os povos a poderem optar por políticas que não sejam as mais favoráveis ao crescimento, nem a aceitar certas reformas que podiam vir a ser benéficas, desse ponto de vista, no futuro.
Esta evidência empírica, embora possa ser frustrante para alguns, tem uma virtude: mostra que a democracia não tem, nem tem que ter, como função promover o crescimento económico. A democracia é, antes de tudo, dar a possibilidade às pessoas de condicionarem as políticas às suas vontades, às suas preferências (que até podem ser de decrescimento). Ou seja, a função da democracia é tornar a sociedade mais próxima da vontade popular e, nessa medida, produzir mais felicidade.
Aqui chegados, podemos invocar uma outra vasta literatura científica que demonstra como os países mais democráticos tendem a ser mais felizes (mesmo controlando para os níveis de rendimento nacional). Mais, mesmo entre democracias, aquelas que têm maiores taxas de participação e combinam esquemas diversos (como referendos, representatividade, iniciativas populares e diversidade partidária) são mais felizes. É que, mesmo quando um cidadão vota nos perdedores, sente o prazer de ter podido votar, de ter podido expressar a sua opinião. E isso tem valor para a felicidade.
Se olharmos para Portugal, nos últimos cem anos, foi na década de sessenta do século XX que Portugal mais cresceu. Mas estávamos em ditadura e não éramos um povo feliz. Hoje, em muitas partes do mundo, há muito crescimento económico infeliz. É que, em ditadura, o crescimento económico tende a ser iníquo, mal distribuído, baseado em exploração laboral e do ambiente e com desrespeito pelos direitos humanos. Não é isso que se deseja numa sociedade desenvolvida (é que não há ditadores iluminados). E é também por isso que nunca podemos pôr em xeque a democracia quando, eventualmente, esse sistema não estiver a ser o mais eficiente na produção de crescimento económico. A democracia existe para produzir liberdade e felicidade. E é eficaz nisso.
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