Se Portugal fosse apenas o palco de uma ópera bufa não valeria a pena perder mais tempo a escrever sobre Relvas. Infelizmente, não é. Vale a pena debater o caso e já explico porquê. Antes, regressemos ao ponto deste sinistro enredo onde o primeiro-ministro nos deixou. Na minha limitada cabeça, quatro hipóteses se levantam para tentar explicar o inexplicável. E sendo certo que o defeito pode ser meu, o problema é que não consigo imaginar uma só que seja minimamente aceitável.
A primeira é, apesar de tudo, a menos sombria. Pedro Passos Coelho não deixa cair os amigos. Não esquece o que fizeram por ele. Lança-lhes uma mão, mesmo quando caem em desgraça. Chamam a isto nobreza de caráter? Eu duvido e explico-me: tem Passos razões pessoais e privadas para recompensar o amigo Relvas? Pois bem, que lhe retribua os favores nessa mesma privadíssima esfera. Um jantarinho em família, uma festa surpresa, ou o que mais lhe aprouver. Pagar dívidas pessoais com prebendas ou lugares públicos (sejam eles no Estado ou no partido) é um gesto de natureza diferente. Para ser simpático, chamo a isto um código de ética PPP.
Mas a explicação pode ser outra. Pedro está cheio de confiança, convencido de que deu a volta ao País e quis mostrar quem manda na cidade e no mundo. Guardou a ideia bem guardadinha, só para si e, na hora certa, enfiou Miguel Relvas pelas goelas do partido. É a tese do quem estiver mal que emigre. Uma demonstração de força, é um facto. Mas também uma revelação de uma arrogância inusitada e que não deixa antever nada de bom.
Terceira via: Marcelo sugeriu teimosia. Pura, dura, empedernida e destituída de mais qualquer sentido. Pedro não gostou que o tivessem obrigado a ficar sem Miguel, vai daí, volta a impô-lo ao universo. Porque sim. E que tudo o mais vá para o inferno, como diria o outro. A hipótese, de tão absurda, é atentatória da inteligência do primeiro-ministro. Mas tem de ser colocada.
Como, lamento, colocada tem de ser a mais sinistra de todas e a que mais me custaria aceitar. A do mito de Fausto. Pedro fez um pacto com o Diabo (não se exaltem, é uma metáfora) e está amarrado a Miguel Relvas até ao fim dos tempos. Dê para onde der.
Como é fácil de perceber, nenhuma destas explicações é boa, sendo que algumas são francamente piores do que outras. Resta, pois, perceber se o assunto é de somenos ou se merece a surda indignação que provocou. Eu alinho, sem grandes hesitações, por esta segunda linha e passo então a explicar porquê.
Justa ou injustamente (e temos de colocar a hipótese de se tratar de uma injustiça), Miguel Relvas representa, hoje, para a maioria dos portugueses, o arquétipo de um vilão de contornos claramente definidos. O homem que faz a vida saltitando na fronteira opaca entre a vida pública e os negócios privados. “O grande facilitador”, como agora se diz. Repito que não sei se o homem merece a fama que tem. Limito-me a reconhecer, com a réstia de lucidez que faltou ao primeiro-ministro, que a tem. Ora, fazer política também é jogar com as perceções.
Acontece, pois, que num Portugal sofrido e causticado por uma austeridade a que não se podia fugir, mas em que, por isso mesmo, as preocupações de natureza ética deveriam ser a obsessão maior de quem tem a ingrata tarefa de conduzir o País, o simbólico gesto da “reabilitação” de Miguel Relvas ganha contornos de uma burrice política inqualificável. Mas, sobretudo, de uma afronta tremenda a todos os portugueses. É assim que o interpreto. É assim que o julgo. Sem mais papas na língua.