No México existe uma tradição secular: quando nasce uma criança, se for rapaz enterram o cordão umbilical no campo para que corra livre, se for rapariga, debaixo do fogão para que fique a cuidar da casa. Perante uma pandemia mundial sem precedentes e com aconselhamento por parte de todos os governos de todos os países para ficarmos todos em casa, o que vai acontecer aos homens que não estão habituados a permanecer no território doméstico por períodos mais longos do que os habituais, manhãs e serões, férias e uma manhã ou tarde por fim-de-semana? Vamos ver, porque uma alteração drástica de rotina pode resultar muito bem para alguns casais e muito mal para outros.
Há muitos anos que uso uma expressão que explica que os homens precisam de espaço, ou, usando, um termo arcaico ainda muito em voga nas planícies ribatejanas, de largueza, que é comprar fiambre. É da condição masculina a necessidade de algum tempo de solidão e de sossego longe da armadilha doméstica. Sempre que um marido sai ao sábado de manhã de casa com a desculpa de ir comprar fiambre, na verdade isso quer dizer que ele precisa de se afastar. O frigorífico pode ainda estar com uma provisão de 700 gramas de fiambre, mas o macho precisa absolutamente de respirar outro ar que não cheire a fraldas, a puré de maçã e Cif Limão. Esta largueza não envolve necessariamente o convívio com seres da mesma espécie, embora isso seja o mais comum. Os homens precisam tanto de ir à caça e ao futebol como as mulheres precisam de ir ao cabeleireiro ou à Zara comprar tops com as amigas, as filhas ou as sobrinhas. E embora o homem doméstico seja adorável, também é verdade que nem todos nasceram com feitio para tal. É preciso ter muita sorte na vida para apanhar um que tenha ao mesmo tempo com uma carreira profissional bem-sucedida e que saiba cozinhar, organizar máquinas de roupa, preparar a lancheira das crianças e fazer compras de supermercado sem se esquecer de nada. Conheço alguns e são de tal forma eficazes que deviam beneficiar de um desagravamento na taxa do IRS, já que as condecorações oficiais estão em baixa. Sim, queridos leitores e leitoras, o marido ideal existe, não calha é a todas porque é um como a lotaria e a raspadinha, não é por muito jogar que se ganha: sorte, bom senso e alguma calma ajudam, embora não exista uma varinha mágica para os inventar nem se possa encomendar na net.
E o que vai acontecer a todos os outros sem alma de dona de casa, aqueles que até ajudam e que até fazem um esforço para ficar um sábado inteiro em casa com os miúdos? E esses recomendo várias caixas de um calmante leve, ou, se necessário de um ansiolítico mais potente, porque as travessias mais difíceis são aquelas nas quais uma pessoa não se pode mexer, estando circunscrita a um espaço que com o passar dos dias irá afigurar-se cada vez mais exíguo, mesmo que sejam 300 metros de área coberta com vista frontal de mar. Não vai ser fácil para ninguém, nem para as mulheres que não estão habituadas e ter os maridos em casa. A sabedoria popular tem um dita para isto, com o homem em casa, nem a panela ferve. É preciso ter muita paciência para aquele tipo de homem que anda a passarinhar pela casa qual fantasma que se enganou no filme, cheio de boa vontade e com total ausência de aptidões domésticas. Nesses casos, mais vale isolá-lo no quarto das crianças a jogar na sua Playstation recuperada da dispensa antes que se aventure na loucura dos casinos on-line.
Para o período de recolhimento que se avizinha, não sabemos ainda por quanto tempo, aconselho os jogos de tabuleiro – o que não é a mesma coisa do que jogar me tabuleiros diferentes – e aproveitar o tempo para mostrar às crianças a riqueza da musica clássica e incentiva-las a pegar num livro, explicando-lhes que ler é fácil e divertido e nem precisa de password. Aproveitar o tempo fazendo arrumações, jogar às escondidas porque os miúdos são particularmente dotados para se enfiarem nos lugares mais improváveis tal como os gatos, recuperar o leitor de DVD e rever o Verão Azul e treinar a paciência, a resiliência, a resistência e a boa cara, que são afinal as virtudes que mantêm um casamento por fora, ainda que por dentro esteja minado de omissões, dúvidas e outras coisas que agora não vêm ao caso.
O Covid-19 vai ser o dos maiores desafios para a humanidade, a começar em casa. Vamos todos ser obrigados a olhar mais para o espelho que nos vais mostrar os nossos defeitos. E vamos também ser obrigados, por via das circunstâncias, a olhar para quem está ao nosso lado e perceber se estamos com a pessoa certa ou errada. Citando o Nobel Saramago, não devemos ter pressa, mas também não devemos perder tempo. Use o seu tempo para praticar o verbo aceitar, seja o seu marido um marido ideal ou um grande estafermo, porque há de tudo, como nas farmácias, pelo menos enquanto o planeta não parar.