Quando o outono começa a apequenar os dias, lembro-me dos retornados velhos. Em miúda, tinha a sensação de que eles e eu éramos retornados diferentes, ainda que partilhássemos o mesmo estigma. Com onze anos acabados de fazer, o futuro parecia-me infinito. Aqui, na América, no cu de Judas, teria tempo de construir a minha vida e de nela aconchegar os estragos que o Império e o seu fim me haviam causado, teria tempo para dobrá-la em duas – a minha infância e o resto – e para fazer com que o vinco deixasse de me aleijar. Os retornados velhos, não. Os seus espetros magoavam-me e eu fugia deles e das suas histórias que eram sempre as mesmas.
O sr. Meireles gostava de contar que tinha nascido no dia 1 de janeiro de 1900, Logo ali no início do século, como se a minha vida tivesse um propósito importante. Quando o conheci, já a confiança orgulhosa com que, certamente, outrora formulara este raciocínio dera lugar a uma vergonha espantada. Mesmo assim, o sr. Meireles continuava a repetir o que sempre dissera, nunca tendo transformado a garantia persistente do tivesse na incerteza desistente do fosse ter. Como se a minha vida tivesse um propósito importante. Inequivocamente, o propósito existia e competia-lhe descobri-lo. Só que essa tarefa tornara-se cada vez mais difícil.