Dulce Maria Cardoso

Dulce Maria Cardoso

Autobiografia Não Autorizada
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Uma escova de cabelo que lavra o tempo ou O número perdido

Semicerro os olhos como faço para ver ao longe, o passado são cargueiros que invento para pousar na linha do horizonte

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Que eu nada mais tenha

Ela, a mulher, chama-se Gisèle. Não sei o que escrever sobre a Gisèle. Como escrever. Despedaçada

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Obra (sempre) incompleta

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Perdidos e achados

Na catequese, a irmã Flores foi categórica, Os animais não têm alma, Deus não os quis com alma, criou-os para nossa serventia

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A brincar na lama

Em Luanda, era habitual céu e terra zangarem-se para logo de seguida fazerem as pazes. A chuva despejava-se, torrencial, mas não tardava que o sol aparecesse

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Sofá-cama

A leitura foi minha amante, muito antes de o sexo começar a cravar as suas garras em mim

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Silentium Universi

Todos os outros membros do Clube dos Amigos dos OVNIS eram rapazes mais ou menos da minha idade e da do André, à exceção do Toni que já devia ter uns dezasseis anos

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Avara, não, a vara

Sentia-me superior aos meus colegas por ler livros que nos eram proibidos. (Muitas vezes, a rebeldia não é mais do que a solidão disfarçada)

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O nosso segredo e a turba insurreta

Quando o meu avô António esteve connosco em Luanda, pegava nos meus livros e nos da minha irmã, nos livros que encontrasse, e não os largava

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Campos pintados, quem vos pintou?

Cancro é um cancro. O estrondo de um meteoro que não esmaga, mas cava o mundo em volta

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Foto #9: A trôpega velhinha

Por mais prolongadas que fossem as estadas de um e de outro, estávamos sempre em trânsito. Desta vez tínhamos outro plano

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Uma parede a meio da adolescência

Tinha conseguido comprar o single Call me dos Blondie com dinheiro poupado aos lanches do liceu e passava tardes inteiras a fingir que sabia cantar em inglês

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Um enigma chamado Elisa

Soube que a Elisa também tinha vindo de Angola sem nada. Estava alojada num hotel do Estoril e recebera uma senha para a distribuição de roupas

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Conheço o amor de ouvir falar

Cheguei ao fim do Do fundo do coração rendida à sua beleza. E, no entanto... que visão tão machista do amor! Nunca amei ninguém assim, nunca ninguém me amou assim, não quero esse amor

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Trinta mil anos de amor

As pessoas compraram-nos, assim podiam sair à rua para passeá-los, quando os confinamentos terminaram, viram-se livres deles rapidamente

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What happened to Gaby? ou Como saímos daqui sem nos magoarmos?

A Gaby era boa aluna e a inteligência não é como a beleza que o tempo vai estragando até não sobrar mais do que um corpo irreconhecível afundado num sofá

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Como é que se diz?

A imaginação também serve para inventarmos o que vivemos sem a memória a consolidar-nos

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Vidas paralelas

O teu problema é conheceres bem demais o que não queres e não teres ideia daquilo que verdadeiramente te pode interessar

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Uma cave com vista

Quando lhe bati à porta na manhã seguinte, recebeu-me em roupão e com o pouco cabelo desalinhado, Nada te ajudará mais do que os livros

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Parvoíces, dias felizes e veneno

As minhas parvoíces vêm de sítios inexplicáveis onde suspeito que parte de mim está prisioneira. Estimo-as mais do que as coisas importantes em que devia pensar

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EN247

Estou a plantar um jardim do outro lado da serra. Um jardim em redor da casa velha para onde me mudarei quando tiver conseguido tratar dela