Se os influencers fossem produtos hortícolas, a sua época seria o verão. Plantam-se no inverno, crescem na primavera e exibem-se em julho no máximo esplendor. Como as melancias. Quiçá tentando apanhá-los distraídos, dançando à beira da piscina, o estado do Illinois acaba de implementar uma lei pioneira: crianças e adolescentes passam a ser compensados por aparecerem nas redes sociais dos seus pais. Um pequeno passo no faroeste digital, um grande passo na proteção de menores.
Segundo a nova adenda à Lei do Trabalho Infantil daquele estado, todas as crianças e adolescentes menores de dezasseis anos têm direito a uma percentagem do lucro obtido nas redes sociais pelos encarregados de educação, sempre que apareçam em 30% do conteúdo publicado num mês. O valor deve ser depositado num fundo, acessível aos filhos assim atinjam a maioridade. A lei responde à indústria milionária dos family influencers, em que os pais usam a imagem dos filhos para fazer publicidade a marcas, e permite aos jovens exigir compensação justa, no caso de esta lhes ser negada. Sendo ainda circunscrito ao Illinois, é um avanço fundamental num debate urgente sobre as crianças na Internet, privacidade e direitos de imagem.
Como aqui defendi no caso do casal de Famalicão que proibia os filhos de ir às aulas de Cidadania, acredito que o Estado tem o dever de proteger os direitos dos menores – por vezes contra os seus pais, por muito delicado que seja o caso-a-caso. Os encarregados de educação não são donos das crianças. Quando a escolaridade obrigatória surgiu, por exemplo, muitos pais se opuseram, exigindo o direito a tirar os miúdos da escola, que isto a gente não samos dótores, e ala mas é trabalhar. Felizmente, o Estado garante aos seus cidadãos o direito à infância e à educação formal. Também aos cidadãos de fralda.
A indústria do entretenimento está repleta de casos em que o talento dos filhos é capturado por pais criminosos em proveito próprio. É impossível não pensarmos em Britney Spears, vítima de uma rede escabrosa liderada pelo próprio pai que a expropriou dos frutos do seu génio, da sanidade mental e do livre arbítrio, num golpe em tudo desumano, sustentado pela justiça americana. Conhecemos as histórias. Todos conhecemos casos de jovens atores, artistas, atletas, modelos, que nunca chegam a ter uma palavra sobre o dinheiro que ganham em crianças. Conhecemos os estudos sobre o impacto da exposição no desenvolvimento psicológico dos mais jovens. Acredito sem ironia que os pais sejam na maioria justos, decentes e cuidadosos, mas cabe ao Estado proteger os jovens que não têm essa sorte. Na Internet, não pode ser diferente.
Se o cidadão comum partilha tudo nas redes sociais, é natural que inclua a vida familiar na miscelânea de stories que vão das eleições francesas ao batido de quinoa da Bimby. Seria estranho não vermos nada sobre uma das dimensões mais importantes na vida de quem tem filhos: os próprios filhos. Pessoalmente defendo que, por uma questão de privacidade, segurança e direito à imagem, as crianças não devem ser expostas em quadros de intimidade, mas cabe a cada um avaliar. Diferente é quando publicar fotografias do bebé, ainda mal abre os olhos, ou da criança, que não faz ideia do que se passa, gera dinheiro para os pais. Nesses casos, olho para a nova lei do Illinois como um excelente começo. Leave them kids alone!
Nota: tive o privilégio de ser deixado em paz na minha infância e juventude, com a minha privacidade e intimidade protegida pelos meus pais, avós, tios e adultos da minha família. As minhas primeiras imagens online já foram publicadas por mim, em plataformas que já não existem. Felizmente. Ninguém fez de mim influencer à força.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.