A queda inesperada do Governo antecipou em quase três anos o fervor da campanha eleitoral. Entre promessas e ideias vagas, há quem acene com alívios nos impostos, aumentos prodigiosos e milagres nos serviços públicos – sem explicar como pretende pagar a lotaria, mas deixemos esse tema. Curiosamente, ou talvez não, não se debate uma ideia para a Cultura. Não é de agora.
A ausência da Cultura do debate público mainstream é uma constante da vida, como o sonho, o que é paradoxal – já que o debate público mainstream é um reflexo da nossa cultura. Num balanço necessário dos últimos oito anos de governação – logo a começar pela recuperação do Ministério da Cultura pelo governo Geringonça (2015-2019), importa lembrar -, a gestão da pasta da Cultura viu uma evolução da qual parece não haver apreciação ou críticas. É um tema fantasma. Façamos este exercício: encontrar, nos maiores partidos da oposição, uma visão ou ideia substantiva no campo das políticas públicas para a Cultura, clarificada nos últimos oito anos.
Como profissional do setor (há quem não goste do termo, em especial desde que lhe levaram o “c”), faço a minha própria avaliação da gestão da pasta – não é esse o ponto. Encontro progressos factuais, logo à partida no reforço da verba do investimento público, e progressos de orgânica, mais subjetivos. Encontro, todavia, um longo caminho na missão de apoiar e valorizar a diversidade da criação nacional, promover a acessibilidade e a qualidade da oferta cultural pública. Um longo caminho na democratização do acesso à Cultura, captando e formando novos públicos, honrando o ideal da coesão social e territorial.
A ausência de debate em torno daquilo que mais existe de básico – a Cultura, erradamente colada à visão dos camarotes do Teatro São Carlos – condena o país ao marasmo. Ao marasmo e à tal precariedade e ao tal atraso persistente, evidente nas estatísticas, denunciado pelos mesmos responsáveis políticos que parecem ignorar o tema.
Nos últimos anos, a proliferação planetária de projetos políticos populistas e autoritários trouxe para a ordem do dia dois mantras: “salvar a democracia” e “é daqui que nascem os extremismos”. Quem observa e comenta a política (eu também) aponta com frequência caminhos nos quais acredita para salvaguardar o espírito democrático e erros – geralmente cometidos pelos opositores – que alimentam a descrença nas instituições e abrem caminho ao retrocesso. Pois, permitam-me juntar um fator à lista: a inexistência de um debate substantivo sobre a política cultural, numa aceção próxima, quotidiana e descomplicada.
Enquanto a esfera da Cultura for tratada como tema do exclusivo interesse de uma elite urbana, que não traz ânimos nem votos, não veremos a promoção das artes, da música, do teatro, do cinema, da literatura ou do património enquanto campo de união, de reflexão, de diversidade e celebração do comum. Não seremos, como cidadãos, desafiados a encontrar no outro os mesmos anseios e as mesmas dúvidas. Não seremos parte de um todo – com as consequências nefastas que isso comporta.
Ainda para mais, agora mete-se o Natal.
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