Não há novo episódio da novela política que anime os portugueses: nas ruas e nos cafés, sente-se a desesperança. As pessoas estão cansadas. A precariedade e a pobreza teimam em não refletir os fabulosos indicadores económicos. Da fila do autocarro à fila do supermercado, respira-se o desalento. Portugal não conhece o seu projeto de futuro.
“Portugal, Portugal, de que é que tu estás à espera?”, foi o que me ocorreu esta semana, dezenas de metros abaixo do chão. Nos túneis do Metro de Lisboa, onde as obras e a falta de alternativas têm ditado o caos, ecoa a sensação de desprezo por quem cá vive e trabalha todos os dias. O problema não são as obras, que nalgum momento têm de ser feitas. É a negligência. Como se pôde avançar com os trabalhos sem garantir alternativas para quem depende deste transporte? Que desprezo é este pela vida das pessoas? Desprezo e desrespeito – foi o sentimento que me transmitiram as pessoas com quem falei, curvadas em filas, enlatadas em carruagens, pedindo desculpa ao telefone por um atraso que não é seu.
Infelizmente, a sensação parece não ser exclusivo do submundo metropolitano. Gosto de fazer perguntas na rua, cá em cima, de picar conversas nos Cafés Centrais e – não sendo isto ciência -, sinto uma perceção generalizada de desligamento entre a política e “os problemas reais das pessoas”. É um chavão que tem vingado. Porque será?
Na semana passada, escrevi sobre como o debate político e o espaço mediático parecem viciados numa espiral novelesca do diz-que-disse e mais a TAP e mais o SIS e mais o “divórcio” Belém-São Bento, ou a casa de seis andares do líder do PSD. Todos os casos merecem apuramentos. Contudo, por muito que o país “real” se entretenha com a série dos casinhos, a sensação que fica é a de que as agendas para o futuro estão suspensas. Senhoras e senhores, o país segue dentro de momentos. A Habitação, os salários, os transportes, o combate à inflação, bem como as estratégias para a Saúde, a Educação, a Cultura e a Segurança Social, tudo isto parece suspenso – como as linhas do Metro. Como alternativa, apanhe uma trotineta. Vá a pé. Desenrasque-se.
Portugal precisa de conhecer o seu projeto. Sem esperança, torna-se desolador andar na rua e ler a pobreza nas vestes de quem trabalhou toda a vida, nos braços pendentes dos
jovens licenciados a receber o salário mínimo, nos rostos dos pais a lutar para pagar a casa ao preço de Paris, na corrida entre os estafetas e os motoristas das aplicações. Entre as buzinadelas e os autocarros lotados, só os turistas e os nómadas digitais parecem felizes. Boa parte existindo numa realidade paralela, como a dita bolha mediática. No meio desta crise, disse-me o sr. José que “quem se lixa é o mexilhão”. Quando o mar bate na rocha, é assim. A diluição das perspetivas coletivas de futuro num espaço público mergulhado em intrigas do mar contra a rocha acaba assim.
A resistência dos portugueses à sucessão de crises é, na minha opinião, extraordinária. A paciência também. Está, porém, a ser levada ao limite. Num cenário marcado pelas crescentes desigualdades, pela acumulação de riqueza inédita na História, pela transferência de dinheiro de baixo para cima, a democracia não poderá conservar-se muito tempo a navegar na maionese. Só os extremismos lucrarão com a revolta das pessoas – já estão, aliás, a lucrar. Portugal precisa de agendas claras para combater a pobreza e as desigualdades, gerar riqueza, melhorar os serviços públicos e o nível de vida. Portugal precisa de razões para acreditar no futuro.
Ou a sensação de que estamos à deriva acabará por dar cabo da boa esperança.
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