A divisão do Ministério das Infraestruturas e da Habitação trouxe ao Governo dois novos ministros. O perfil do novo ministro das Infraestruturas, João Galamba, tem sido comentado à luz do seu currículo, personalidade e imagem pública. A nova ministra da Habitação, Marina Gonçalves, tem sido avaliada com base na sua idade. No currículo também, ma non tropo. Se é natural enfatizar a idade da ministra mais jovem de sempre, é bizarro que os comentadores a frisem como desvantagem. A crise na Habitação em Portugal resulta de décadas de negligência e más políticas. Que papel terá a idade dos sucessivos decisores neste contínuo desastre?
Não me deito a avaliar o perfil da nova ministra, nem é esse o ponto. Num momento em que se discute – e bem – o escrutínio da política e os seus limites, é saudável conhecer o percurso dos protagonistas. A aproximação da classe política aos eleitores passa pela transparência de sabermos quem são e de onde vêm os nossos representantes. A democracia ganha com o hábito de debater a adequação, ou não, do perfil à pasta ministerial (da Habitação, neste caso). No entanto, a insistência do comentariado na idade da ministra é espelho de um outro tema.
Há um problema no modo como a juventude é vista em Portugal. A “geração mais preparada de sempre”, à qual pertenço sem gostar do termo, goza de liberdades e direitos pelos quais não teve de lutar. Despontada num período pacífico, esta geração é acusada pelas anteriores de ser menos combativa (não serão todas?) – o que, neste caso, é bom sinal. Lamento o fraco interesse pela política, a falta de espírito crítico e a escassa mobilização por causas na minha geração, mas tento, ao menos, vê-los como sinais de que nascemos e crescemos em paz.
Os direitos à infância, à saúde e à educação, dos quais nós beneficiámos, criaram uma distância moral entre os adultos e “os jovens”. Assim nasceu a figura d’O Jovem – de auricular nos ouvidos, a cavalo de uma trotinete, amarrotando no bolso o cartão de descontos para os museus onde nunca põe os pés. Um alien que é simultaneamente enaltecido por ser moderno, escolarizado, e infantilizado por ser mimado e hiperprotegido. Assim é tratada a geração que “aprende muito na universidade, mas não sabe nada da vida” e que, portanto, continua a ser relegada à piscina das crianças. Eternamente a aprenderem a ser homens, como os putos de Carlos do Carmo. Estes jovens – que, se calhar, já têm 40 anos – continuam, de facto, a viver “à jovem”: dividindo um apartamento com três amigos, seguindo de skate para o ateliê de arquitetura onde recebem o salário mínimo. Porque são jovens e ainda estão a começar.
Compreendendo que a experiência de vida é importante no desempenho de cargos de alto nível, estabeleço uma ligação entre esta fixação com a idade da ministra e a tendência para a infantilização crónica de quem já cresceu com telemóvel. Sanna Marin, eleita primeira-ministra da Finlândia aos 34 anos, não mostra sinais de despreparação imputáveis à idade, apesar de já ter sido desacreditada por ser mulher, por ter estilo próprio e por ser nova. A faixa etária é um prisma inescapável na análise de um perfil, mas tê-la como vetor principal é tonto. Basta, aliás, olhar para a sobriedade e a ponderação com que nos têm prendado os políticos mais velhos.
A quem, ainda assim, insistir na idade como fator central, recomendo aliás que considere o seguinte: neste caso, ninguém, melhor do que os jovens, conhece o problema da habitação em Portugal. A precariedade, a instabilidade do emprego e os preços estratosféricos das casas – históricos e sem paralelo – afundam a vida desta geração. Obriga-a a emigrar, a viver mal e a frustrar os seus sonhos. Em 2021, Portugal foi o país da União Europeia em que os jovens saíram mais tarde de casa dos pais (média de 33,6 anos). Parece coincidência, mas não é: é a idade da nova ministra da Habitação. Será caso para dizer que a geração mais preparada de sempre não estava preparada para a crise que herdou. Está, contudo, quiçá mais preparada para a superar do que os comentadores que (felizmente e com todo o direito a isso) compraram as suas casas nos anos 80, a um preço justo e com crédito fácil. As tais casas que hoje valem milhões nos centros das cidades.
A solidariedade entre gerações é essencial ao progresso e à justiça social. Em Portugal, predomina ainda uma cultura rígida e discriminatória com base na idade, de preconceitos para com os mais velhos ou os mais novos. Ora, a ação política, como o amor, não escolhe idades. Poucas coisas escolhem idades, aliás. Precisamos de mais cooperação, mais espaço, mais poder para as novas gerações e menos preconceitos. Parecendo que não, há jovenzinhos com vontade e jeito para a coisa.
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