Os últimos dias têm sido marcados por uma orquestrada campanha de desinformação que tem como único objetivo condicionar a ação da justiça.
Aqueles que pelas suas responsabilidades políticas deviam contribuir para o respeito e reforço da confiança dos cidadãos no sistema de justiça, perderam por completo a vergonha e lançaram-se num ataque ao Ministério Público, onde vale tudo.
Pedem a demissão da Procuradora-Geral da República; pedem que seja levantada inspeção extraordinária aos titulares do inquérito; andam de lupa à procura de erros num despacho de mera indiciação para efeito de aplicação de medidas de coação; querem condicionar os tempos do inquérito exigindo que seja encerrado em determinado prazo, se não mesmo arquivado de imediato.
Todo este vendaval por um único grande erro cometido pelo Ministério Público – ter cumprido a função que constitucionalmente e legalmente lhe está atribuída, isto é, ter determinado que se instaurasse um inquérito perante a suspeita da prática de um crime.
E o inquérito é apenas a primeira fase de um processo penal que tal como resulta do código de processo penal compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação.
A decisão de instaurar o inquérito é uma decorrência da lei e não supõem qualquer avaliação de hipotéticos cenários ou desfechos políticos, por isso querer imputar a demissão de um Primeiro Ministro ou uma qualquer crise política ao início de um inquérito, é atirar areia para os olhos dos cidadãos, é simplesmente ridículo.
Tal como é totalmente disparatado tentar extrair de uma decisão de um juiz de instrução criminal em sede de aplicação de medidas de coação qualquer consequência definitiva para o processo. A decisão não só não é definitiva, porque suscetível de recurso, como o seu âmago é a aplicação de medidas restritivas de liberdade em função de um conjunto de exigências cautelares evidenciadas e não um conhecimento sobre o objeto do processo, que apenas terá lugar nas fases processuais seguintes.
É igualmente falsa a ideia de que o Ministério Público anda em roda livre e a sua atividade não é sindicável.
Toda a atividade desenvolvida pelo MP no processo penal é sindicada pelos sujeitos processuais e está sujeita a controlo judicial.
Interceções telefónicas, buscas em residência, detenções, aplicação de medidas de coação, estão sempre dependentes de autorização ou validação por um juiz. A decisão de acusar é controlada judicialmente em sede de instrução e de julgamento.
Por outro lado, todos os magistrados do Ministério Público estão sujeitos a inspeções de mérito regulares e a responsabilidade disciplinar quando violem os seus deveres, por um órgão de que fazem parte representantes da Assembleia da República e do Ministério da Justiça.
O que não se pode admitir é que a propósito de pretensos erros num despacho meramente indiciário para efeito de aplicação de medidas de coação, sem que tenham a mínima relevância no processo ou, pelo menos, sem a relevância que lhe querem atribuir, pretendam condicionar a atuação desses magistrados através da exigência de uma inspeção.
Infelizmente já não é novidade.
Sempre que uma investigação tem como visadas determinadas pessoas, logo assistimos a uma espécie de terrorismo judiciário contra os magistrados do Ministério Público que conduzem o inquérito, o que constitui uma intolerável forma de os condicionarem e amedrontarem.
Não posso deixar de terminar o artigo com uma frase de Edwin Sutherland, num texto publicado em 1945, na Revista Americana de Sociologia, intitulado “Criminalidade de Colarinho Branco”: «Law is like a cobweb; it’s made for flies and the smaller kinds of insects, so to speak, but lets the big bumblebees break through. When technicalities of the law stood in my way, I have always been able to brush them aside easy as anything». Não nos deixemos enganar pelas grandes abelhas, nem permitamos que elas arranjem sempre forma de penetrar a teia.
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