Em setembro de 2017, a propósito do lançamento da Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, assinei com o Secretário de Estado da Educação, João Costa, um artigo publicado no Jornal Expresso, que começa assim: “Quando nos preocupamos em garantir aos alunos/as aprendizagens de sucesso, devemos perguntar: o que é um aluno/a bem sucedido/a? Os jovens enfrentam desafios muito concretos, inscritos na agenda 2030 das Nações Unidas, pelo que formar para a cidadania ativa e consciente não é um objetivo periférico, é nuclear.”
O ensino em Portugal universalizou-se após o 25 de abril, permitindo acabar com níveis de analfabetismo e iliteracia que, no contexto europeu, nos deixavam entre os países com maiores atrasos na educação. Foi um enorme esforço nacional que nos fez passar, em 4 décadas, de cerca de 30% de analfabetismo para pouco mais de 5% e que permitiu que hoje possamos ter uma escolaridade obrigatória até ao 12º ano e um número elevado de alunos/as no ensino superior.
A este atraso que tínhamos em relação à Europa, acresce o facto de termos sido o único país a diminuir a escolaridade obrigatória, passando, durante o Estado Novo de 4 para 3 anos a escolaridade das raparigas e a atingir em 1970 um nível do analfabetismo feminino 11,3 p.p. superior ao masculino.
Apesar deste sucesso educativo, o ensino em Portugal tem um modelo conceptual muito ligado aos saberes formais e académicos, com base numa aprendizagem que não estimula suficientemente a reflexão crítica, a análise da atualidade e a capacidade de exposição e argumentação, sendo que hoje as crianças enfrentam desafios socioculturais aos quais a escola tem, inevitavelmente, de responder.
Há vários exemplos que demonstram esta necessidade urgente do exercício de uma cidadania ativa e responsável, que nos permitirá agir sobre problemas estruturais da sociedade a nível nacional, europeu e global. A experimentação da cidadania tem de ser assumida como um objetivo central do sistema de ensino.
A escola é transformadora de comportamentos, e um bom exemplo é a reciclagem que por via de campanhas e trabalho escolar entrou na vida de tantas pessoas. Esta experiência ligada ao ambiente pode ser alargada a outros campos da cidadania como a prevenção rodoviária, prevenindo a sinistralidade, ou a igualdade de género, combatendo a violência no namoro e a violência doméstica, ou os Direitos Humanos e a Interculturalidade fazendo frente ao racismo e à intolerância, ou promovendo o conhecimento do sistema democrático, estimulando assim a participação cívica e política.
É fundamental que possamos aprender com a experiência dos últimos 20 anos no que diz respeito a esta temática no sistema de ensino e perceber porque é que não se consolidou, tendo sido retirada e alterada diversas vezes sem que tenha havido contestação veemente por parte da comunidade educativa.
Um dos principais problemas identificados como entrave neste processo, foi o caráter facultativo da cidadania fora do sistema de avaliação. Acrescendo ainda o facto de não haver formação académica especializada e um programa definido, o que lhe tem retirado valor formal junto da escola e dos encarregados/as de educação.
Perante este diagnóstico foi necessário criar uma Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania que integrasse e obviasse parte dos problemas identificados, de modo a não voltar a adiar a integração desta área de saber no sistema de ensino, que se reconhece ser necessária.
Com esse objetivo, a estratégia baseou-se em documentos das Nações Unidas e da OCDE, integrando experiências positivas em escolas e o conhecimento das Organizações Não Governamentais, bem como os referenciais produzidos pela Direção Geral de Educação em parceria com entidades públicas e da sociedade civil.
Pegando neste trabalho já realizado, definiram-se as áreas e a metodologia a adotar. Foi também considerada a necessidade de haver coordenação, tempo letivo (exceção do ensino secundário cuja disciplina é interdisciplinar) e avaliação, sendo a disciplina integrada no domínio das ciências sociais e humanas e podendo contar com parcerias com Organizações Não Governamentais.
A experiência piloto realizada no ano letivo passado, integrada no Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular em mais de 200 escolas foi positiva. Este ano letivo, que agora se inicia, leva a generalização a todas as escolas, permitindo que uma tão importante área de formação, chave para a erradicação ou minimização de um conjunto de problemas sociais e do âmbito do desenvolvimento, possa trilhar o caminho de integração na cultura do sistema educativo, contribuindo para uma democracia mais consolidada e para um Portugal mais desenvolvido.