Um dos temas mais trabalhados e discutidos nas organizações é o gap geracional, ou seja, a diferença de atitudes entre pessoas de diferentes gerações que, tipicamente, leva a uma falta de compreensão entre as mesmas. Mas será que ainda hoje a causa de tantos problemas e dilemas profissionais se pode justificar somente com uma questão etária? A realidade é que estamos perante uma diversidade mais alargada e que passa por ser cultural, social, tecnológica, étnica de género e, claro está, etária ou geracional. Tudo isto obriga-nos a colocar a discussão num nível de complexidade superior.
Diversidade e inclusão
A diversidade e inclusão são temas supra-geracionais. Assim, o conceito de gap geracional é demasiado reductor, para conter em si mesmo, todas as dificuldades e dúvidas de relacionamento entre pessoas que surgem dentro das organizações. As empresas são verdadeiros organismos vivos e dinâmicos, onde a forma de trabalhar é cada vez mais matricial e por projectos, o que obriga a uma enorme elasticidade dos seus colaboradores dada a constante troca de interlocutores e forçando-os a uma permanente adaptação aos vários intervenientes.
Assim, e quando existem a priori preconceitos (e existem vários, tantos quantos os diferentes tópicos da diversidade) é impossível conseguir ter a abertura de espírito para poder aprender com os outros, sejam eles mais experientes, mais juniores, de outras nacionalidades ou de outras culturas.
É fundamental para as organizações, mas acima de tudo para as pessoas, desenvolverem um espírito de tolerância perante a diferença e perceberem que esta poderá beneficiar todos. O perfil camaleão, com elevado coeficiente de aprendizagem é o que certamente vingará no mundo presente e futuro, ou seja, são aqueles que mais rapidamente se adaptam ao contexto e que mais rapidamente aprendem que serão capazes de tirar partido desta diversidade. O lema poderia ser: dar o meu melhor e estar disponível para em troca receber o melhor que os outros têm para dar. Esta atitude construtiva, de intercâmbio de ideias e experiências só pode beneficiar as três partes, sendo a terceira a organização.
Troca de conhecimento
A troca de conhecimento que surge desta constante relação entre colaboradores ajuda a colmatar aquele que será, porventura, o maior gap de todos, o tecnológico. É, sobretudo, neste campo que assistimos às maiores diferenças de skills entre colaboradores, onde a variável geracional assume, de facto, um peso importante, pois os mais jovens têm uma vivência com a tecnologia muito superior à geração anterior. Mas a tecnologia, que serve acima de tudo para potenciar conhecimento, tem de ser contextualizada, e é então neste exercício que a geração mais experiente pode ajudar, e assim conseguir-se-á conciliar as vantagens de dominar a tecnologia com a sapiência do negócio.
A relação com o trabalho
Exactamente por existir uma verdadeira preocupação das empresas com as suas pessoas, estas têm tentado desenvolver estratégias de gestão do talento que passam por colocar no centro da discussão a melhor forma de ajudarem os seus colaboradores a serem cada vez mais felizes e a sentirem-se realizados profissionalmente. Inclusivamente, têm surgido várias funções, mesmo ao nível do Board que tratam destas temáticas, como por exemplo os Chief Happiness Officer e Chief Diversity Officer, que têm equipas com alguma dimensão e sempre muito atentas a estes temas.
Mas a forma como as pessoas se estão a relacionar com o trabalho está a mudar. Pergunta: será um efeito de contágio desta nova geração que procura em primeiro lugar a sua satisfação e realização pessoal? (contrapondo com gerações anteriores que abdicaram muitas vezes disso em detrimento da esperança da promoção, aumento salarial ou simples compromisso com a organização). Efectivamente acontece, pois os mais seniores acabam por questionar-se sobre quem está efectivamente certo na gestão das prioridades e acabam por seguir este exemplo. Mais ainda após uma experiência traumatizante que se iniciou há menos de uma década e que continua a marcar as gerações mais seniores mas também as mais jovens: a crise económico-financeira que teve início em 2008.
Esta crise levou milhares de pessoas para o desemprego e para além da insegurança, frustração e tristeza que provocou acabou por deixar uma ferida em aberto que não vai sarar rapidamente, i.e., a falta de reciprocidade nos compromissos assumidos entre empresas e trabalhadores. Os despedimentos em massa levaram a um sentimento de traição, ou seja, foram muitas as pessoas que se dedicaram “de corpo e alma” às empresas durante anos e anos, mas no final não viram o seu esforço recompensado e/ou reconhecido recebendo somente o mínimo possível por lei e sem perspectivas de carreira.
Quem também assistiu a este fenómeno foram os seus filhos, que entretanto foram entrando no mercado de trabalho e que já vinham imbuídos de uma cultura de imediatismo e com um foco na procura da felicidade. Este mix de acontecimentos deu origem a uma atitude diferente para com as entidades empregadoras. Assistimos hoje a uma atitude de igualdade perante a empresa que os quer recrutar e nunca de subserviência ou menoridade, ou seja, há uma exigência imediata de tratamento igualitário, para além de reconhecimento e de promoção, caso sejam bem avaliados. As organizações já perceberam que não é suficiente a “famosa” “palmadinha nas costas” e dar os parabéns por um trabalho bem feito. Sendo que o problema emerge ainda mais quando as empresas percebem que afinal também não é (só) um aumento salarial que os satisfaz, aliás em muitos casos nem é isso que procuram.
As organizações procuram responder às necessidades e motivações de cada colaborador, tentando customizar alguns dos benefícios extra salário. Aliás, a tecnologia está a ajudar no conhecimento de cada colaborador, pois os dados sobre as pessoas existem, logo é uma questão de conseguir trabalhá-los. Contudo, esta situação está a levantar um tema de difícil resolução e que passa por se perder a equidade interna. Em última análise esta equidade poderia de facto não existir caso não existisse a tendência de comparar salários e benefícios, mas como isso acontece surge o problema de se comparar coisas diferentes, como um ticket-infância, com uma viagem de incentivo ou a mensalidade do ginásio, com trabalhar alguns dias em casa. A comparação ainda se torna mais difícil em empresas com unidades de produção, em que os trabalhadores têm inevitavelmente de cumprir horários rigorosos e onde existe pouca, ou nenhuma, flexibilidade de horário, o que comparando com áreas comerciais leva a percepções da realidade bem diferentes.
Um caso real (e típico) que tive conhecimento passou-se há pouco tempo numa empresa de base tecnológica em que um dos seus jovens talentos apresentou a demissão, mesmo após reconhecimento do seu excelente desempenho. Tentando reter o mesmo o seu administrador ofereceu-lhe um aumento, mas ele recusou e manteve a sua demissão. Sem perceber porquê o administrador perguntou à chefia directa deste colaborador o que se passava e este retorquiu dizendo que também não percebia esta atitude, pois o seu trabalho era reconhecido e estava a ter acesso a uma carreira internacional. No final a razão pela qual apresentou a demissão foi porque não o deixaram trabalhar mais tempo a partir de casa. Será fácil perceber que estas 3 pessoas valorizam e percepcionam o que é um salário de forma distinta. Como em outras vertentes da vida, as pessoas procuram cada vez mais experiências e isso é inter-geracional.
As transformações e problemáticas organizacionais são por demais evidentes e têm na base uma multiplicidade de factores, por isso não pode ser somente o gap geracional o causador mas sim toda esta teia de temas que foram mencionados, de forma sumária, mas que podem ser a base para uma reflexão sobre a necessidade de tolerância para com a diversidade, para a necessidade de ter de existir solidariedade organizacional, onde todos podem aprender com todos numa atitude construtiva e de partilha de conhecimento, e para o facto de que o importante é a atitude de cada um e não a sua faixa etária, género, etnia ou cultura.
* (O autor escreveu este texto com base na ortografia antiga)