Não é raro ouvir alguém afirmar que, uma vez passada uma fotografia a cores para tons de cinzento, esta “ficou bem melhor”. Na prática, a fotografia não ficou melhor, no sentido em que os diversos elementos da sua composição — os interessantes, mas também os menos atraentes — permanecerem idênticos. Contudo, ao descartar a cor de uma imagem, é possível que potenciais distrações geradas por algumas matizes sejam eliminadas, fazendo com que o nosso olhar se concentre primordialmente nas formas, nos tons e nas relações espaciais existentes, alterando o peso visual que cada elemento da composição usufruía. Por vezes, este processo ‘melhora’ a fotografia, mas nem sempre é assim.
Com efeito, o simples descartar da cor não é garantia de que as distrações desapareçam e, no limite, novos problemas podem ser criados. Imagine-se, por exemplo, uma fotografia rica em matizes de verde e vermelho, duas cores complementares no círculo de cores tradicional e, como tal, altamente
contrastantes. Neste sentido, supondo que o verde correspondia à relva de um jardim, a presença de uma bola vermelha sobre esta última seria imediatamente notada, até porque o vermelho é a primeira cor que o nosso cérebro identifica. Por um lado, essa mesma bola pode ser um elemento central da composição, caso em que beneficia do referido destaque e tornar-se-á num importante ponto focal; mas, por outro lado, também pode transformar-se numa forte distracção, nomeadamente se estivéssemos a fotografar uma pessoa sobre a dita relva, fazendo com que esse elemento humano perdesse algum do seu protagonismo. Para culminar este exemplo, se esta última imagem fosse convertida para preto e branco, descobriríamos que o vermelho da bola corresponde a um tom de cinzento muito próximo do verde da relva — ou seja, o protagonismo criado pela cor da bola, desejado ou indesejado, seria fortemente minimizado na imagem monocromática.
Assim, para criar uma boa imagem a preto e branco é necessário ter presente os tons que cada cor irá originar, isto porque as imagens monocromáticas beneficiam dos contrastes tonais para delinear as formas e alimentar o peso visual de cada elemento presente na composição. Tendo estas noções fundamentais em mente, é possível identificar um conjunto de dicas para criar fotografias a preto e branco com o impacto visual desejado.
1 – Fotografe a cores e no formato RAW
Uma das regras de ouro da fotografia da preto-e-branco é, paradoxalmente, fotografar a cores. Isto porque as cores serão essenciais na fase de pós produção, podendo ser usadas para trabalhar separadamente os seus respectivos tons, como será demonstrado adiante.
Esta regra é especialmente importante se a sua câmara estiver configurada para gravar as imagens no formato JPEG, uma vez que, se usar algum dos modos de fotografia monocromática por ela disponibilizados, o processo é irreversível e perderá a capacidade de usar as cores parar melhor trabalhar os tons de cinzento correspondentes.
Consequentemente, é aconselhável gravar as imagens no formato RAW, já que, mesmo que use algum dos modos de fotografia monocromática da câmara, úteis para ‘antever’ directamente no ecrã LCD como é que uma dada cena ficaria a preto-e-branco, a fundamental informação de cor não será perdida — ou seja, por incrível que tal possa parecer, a imagem até poderá voltar a ficar a cores quando a importar para o seu computador. Adicionalmente, o formato RAW preserva uma quantidade de informação substancialmente superior àquela que um JPEG contem, a qual será essencial para produzir uma imagem a preto e branco com a melhor gradação de tons possível.
2 – Concentre-se nos contrastes, formas e texturas
Uma vez eliminada a cor, seja como distracção ou como adjuvante da composição, serão os jogos luminosos existentes entre os vários elementos que assumirão o protagonismo visual na imagem a preto-e-branco. Assim, procure treinar o seu olhar de forma a antecipar os contrastes que existirão entre os diversos elementos da composição, ficando atento às suas formas, padrões e texturas. Tenha em mente que cores que estejam separadas por duas (ou mais) casas no círculo de cores tradicional (verde e laranja, amarelo e vermelho, laranja e azul, por exemplo) serão mais fáceis de trabalhar em pós produção, alterando a sua luminosidades para produzir tons mais contrastantes.
3 – Veja a luz de uma forma diferente
Quando se fotografa a cores é frequente procurar situações de baixo contraste, tal como acontece com a luz do amanhecer ou anoitecer, evitando a luz mais ‘dura’ do meio do dia. Todavia, a luz áspera de um dia de verão pode ser benéfica para criar sombras profundas, as quais irão contrastar com as superfícies adjacentes sobejamente iluminadas. O mesmo acontece quando se fotografa em contra luz, criando áreas de luz/sombra que nem sempre resultam bem a cores, mas que podem ser a alma de uma imagem a preto e branco com impacto.
4 – Use uma sensibilidade ISO baixa, mas adicione grão
A sensibilidade ISO tem um impacto directo na qualidade de imagem, pois, quanto mais alto for o valor, maior será a quantidade de ruído digital presente, degradando detalhes, texturas e gradações tonais. Ou seja, uma fotografia feita a ISO 100 terá uma qualidade de imagem muito superior a outra feita a ISO 3200, por exemplo.
Assim, importa não confundir esse ruído digital, que também pode criar micro oscilações luminosas na imagem, com o ‘grão’ que caracteriza muitas das fotografias a preto-e-branco feitas com filme, as quais perduram no nosso imaginário. Sempre que possível, deve privilegiar a qualidade de imagem e registar o máximo de informação usando a sensibilidade ISO mais baixa possível, até porque o ruído digital tem uma dispersão pouco natural e uma apresentação pouco ‘orgânica’. Logo, se desejar que as suas fotografias a preto-e-branco tenham ‘grão’, este deverá ser adicionado na fase de pós-produção, usando ferramentas específicas para o efeito, altamente configuráveis e que têm a capacidade de criar um resultado atraente e com uma aparência menos digital.
5 – Edite as fotografias num computador
É um facto que os modos de fotografia monocromáticos oferecidos pelas câmaras fotográficas são cada vez mais elaborados e competentes, mas não é menos verdade que estes jamais irão oferecer o grau de criatividade e controlo disponibilizados por programas de edição de imagem dedicados. Através destes programas poderá trabalhar os tons com base nas cores originalmente registadas, trabalhar a luminosidade de zonas específicas da composição, adicionar grão, ‘aquecer’ ou ‘arrefecer’ os tons monocromáticos, entre muitas outras possibilidades criativas. O vídeo seguinte, gravado em passo acelerado, mostra um exemplo concreto disso mesmo, usando o programa Adobe Photoshop Lightroom CC. Votos de boas fotografias a preto-e-branco.