É um facto incontornável: a câmara fotográfica não “vê” do mesmo modo que os nossos olhos. Quanto mais cedo aceitarmos e abraçarmos esta circunstância, mais depressa evoluirá a nossa técnica fotográfica e crescerá a satisfação com os resultados obtidos.
Pese embora a subjetividade do assunto, não será impróprio pensar que raramente queremos uma fotografia igual ao que foi observado. Isto porque uma fotografia será sempre uma representação, um recorte do tempo e do espaço, moldado pela nossa criatividade e sensibilidade únicas, a qual é susceptível das mais variadas interpretações, consoante o contexto e a experiência da pessoa que a observa. Ainda assim, é legítimo aspirarmos a que, em alguns casos, haja uma aproximação entre o visto e o registado. Noutros tantos casos, tal pode não ser desejável ou sequer possível. Independentemente do cenário, importa identificar e perceber as diferenças operacionais entre a câmara fotográfica e a nossa visão.
Para levantar uma ponta do véu sobre esta questão, podem ser considerados três aspectos essenciais: tridimensionalidade, contraste e exposição. São conceitos tão mundanos que, por essa mesma razão, é frequente ignorá-los. Todavia, neles reside uma parte substancial da disparidade entre aquilo que observamos em nosso redor e aquilo que percebemos numa fotografia dessa mesma realidade. Como tal, são a chave para, sem grandes embaraços, passarmos a ver a fotografia sob uma nova perspectiva e redefinir a forma como fotografamos.
Se tudo correr bem, o que abaixo será desenvolvido poderá ser o mote para reformular a afirmação inicial, passando-a para “esta fotografia era precisamente aquilo que eu queria!”.
Tridimensionalidade
A nossa visão fornece-nos uma percepção tridimensional da realidade observável. Tal acontece devido à perspectiva ligeiramente diferente que é captada por cada um dos nossos olhos, a qual é combinada pelo cérebro e nos dá referências para determinar as relações espaciais entre diferentes objetos.
Contudo, a fotografia tradicional, registada por uma câmara convencional (um sensor e uma objectiva) e observável num papel impresso ou num ecrã também convencional (não 3D), é um meio bidimensional. Assim, sem surpresa, quando observamos uma fotografia existe a sensação de perda de profundidade e de falta de tridimensionalidade, retirando-lhe algum do impacto que, por comparação, contávamos experienciar.
Felizmente, o nosso cérebro pode ser facilmente “enganado” quando visualizamos um meio dimensional, desde que a fotografia registada tenha sido feita com a luz mais indicada. Concretizando, isto significa que devemos estar constantemente atentos ao ângulo de incidência da luz sobre os motivos fotografados, analisando a forma como as sombras são projetadas, já que são estas últimas que irão criar e reforçar a ilusão de tridimensionalidade. Sem projecção de sombras os motivos parecerão planos e, usando um exemplo extremo, será difícil perceber se uma bola de futebol é um círculo (figura) ou uma esfera (forma).
Contraste
Os nossos olhos são extremamente competentes quando se verificam contrastes luminosos muito acentuados. Ou seja, quando comparada com uma câmara fotográfica, a nossa visão consegue perceber mais detalhes nas sombras e altas luzes, nomeadamente em situações em que a diferença relativa entre os tons mais escuros e mais claros da imagem observada é significativa. Em suma, a gama dinâmica dos nossos olhos é superior à das actuais câmaras fotográficas.
Parodiando, a gama dinâmica de uma câmara fotográfica é como uma espécie de cobertor curto que, em cenas muito contrastantes, nunca consegue tapar a cabeça e os pés ao mesmo tempo. Na prática, é por esta razão que, numa fotografia de paisagem, é frequente não conseguir um equilíbrio entre a luz registada no solo e no céu — tipicamente, para um deles ficar como se observava, o outro ficará mais escuro ou mais claro do que o desejado —, muito embora os nossos olhos não vislumbrassem essa discrepância de forma tão óbvia.
Para minimizar este “problema”, existem algumas soluções concretas, dependendo do que for possível colocar em prática e dos objectivos do fotógrafo: ajustar (luz artificial) ou esperar (luz natural) que o brilho da fonte de luz diminua de intensidade, pois tal minimizará o contraste entre as diferentes superfícies iluminadas e respectivas sombras projetadas; evitar fotografar em contra luz; fotografar no formato RAW em vez do JPEG, para maximizar a informação tonal registada e que poderá ser resgatada em pós-produção; tirar partido de iluminação artificial complementar ou de refletores, especialmente em fotografia de retrato; usar filtros de densidade neutra em gradiente, particularmente em fotografia de paisagem.
Exposição
Considerando o que até ao momento foi escrito, os nossos olhos parecem dominar a disputa com a câmara fotográfica, mostrando-se mais capazes de representar a tridimensionalidade e/ou o contraste de uma cena. Porém, a câmara fotográfica ultrapassa largamente a nossa visão no que diz respeito à forma como controla a exposição, ou seja, o modo como uma determinada quantidade de luz é registada e o efeito que cada possibilidade produz na imagem resultante.
Sem explorar todas as facetas desta última declaração, basta pensar numa das variáveis de controlo da exposição, por exemplo a velocidade de obturação (ou, por outras palavras, o tempo de exposição). Com efeito, enquanto a nossa retina “refresca” a imagem observada a aproximadamente cada 1/10 seg., a câmara fotográfica tem a capacidade de, dependendo da conjugação com as demais variáveis de exposição (Abertura e Sensibilidade ISO) e a luz disponível, usar tempos de exposição que poderão ir de dezenas de minutos (longas exposições) a fracções ínfimas de segundo (1/8000 seg., em alguns modelos de câmaras).
Como se viu em artigos anteriores, a velocidade de obturação tem um impacto directo na representação do movimento dos motivos que estejam em deslocação, podendo estes ficar congelados ou arrastados. Adicionalmente, uma longa exposição não só pode reunir uma quantidade de luz que os nossos olhos jamais poderiam reunir (vislumbrando detalhes em paisagens noturnas, por exemplo), como também poderá arrastar elementos que inevitavelmente veríamos como sendo estáticos (as estrelas nessa mesma paisagem nocturna, por exemplo).
Logo, sem precisar de ir mais longe do que a variável “tempo de exposição”, percebe-se o quão difícil é representar movimento tal como o vemos, além de ser impossível comparar um fotograma (uma fotografia) com um conjunto de fotogramas em sucessão continuada (visão ou filme). Assim, resta ambicionar uma boa recriação da sensação de presença/ausência de movimento e a obtenção de uma exposição que, através da combinação ideal entre as três variáveis, traduza uma luminosidade aproximada à por nós percebida — nem mais escura, nem mais clara.