1. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, falando após o XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos, realizada em Lisboa no passado dia 13, citando Jesus Cristo disse não considerar católico quem tem um discurso contra os imigrantes e o seu acolhimento. Um católico não pode ser racista, sublinhou – e, como é óbvio, por maioria de razão não pode afirmar-se como tal, para obter os respetivos dividendos, sendo o “chefe” absoluto de um partido que tem no combate/ataque a imigrantes e ciganos a sua principal bandeira, de par com a de um alegado combate à corrupção.
Face ao que se está a passar em Portugal, julgo que a Igreja e sua hierarquia não podiam ficar em silêncio. Agora não ficou. Com D. José Ornelas a sublinhar também não entender como quem tem – e todos sabemos quem tem – um discurso populista, racista, xenófobo, invoca a fé católica e a matriz judaico-cristã da Europa, que aponta em sentido contrário.
E disse mais (sigo a notícia do Expresso): “Não só precisamos de imigrantes como precisamos de evoluir”, de deixar de ter uma “cultura de medo”. Notando que as propostas do governo de alteração das leis relativas aos imigrantes e à nacionalidade, ao invés, “o que têm mais é proibição e preocupação com o medo que se gerou”, enquanto é “muito, muito parca naquilo que é o dever, a necessidade e o desafio da integração” (dos imigrantes).
Logo na abertura da conferência, aliás, o presidente da CEP lembrou que cabe à hierarquia da Igreja católica instar os governantes a “não cederem a populismos manipuladores, a serem verdadeiramente responsáveis no acolhimento e a saberem integrar os que chegam, na dignidade e na justiça”. Orientação com o generalizado apoio dos outros bispos participantes, de todos os países de língua portuguesa.
2. Esta posição ou intervenção pública é de grande relevância no momento que vivemos. Ela não se pode classificar como uma “clarificação” da doutrina da Igreja, pois a doutrina da Igreja é absolutamente clara a tal respeito – e o Papa Francisco, neste e noutros domínios, como o do Ambiente e Clima, não se cansou de a destacar e atualizar. Não se trata, pois, de uma clarificação, mas de uma recordação/afirmação de valores essenciais do cristianismo, da Igreja Católica. E do humanismo, hoje dramaticamente posto em causa, em perigo, em tantas partes do mundo.
Inclusive em Portugal. Sobretudo pelo partido que já é o segundo com maior representação parlamentar e que tem o tal “chefe”, presença avassaladora nos media nacionais, em especial nas televisões. Além de nas hoje super poderosas, influenciadoras, redes sociais, onde a mentira, a demagogia e o populismo campeiam e em larga medida o Chega domina – ao que me dizem, dado não ser seu frequentador e ser “analfabeto” nessa matéria.
Ora, neste contexto, o mínimo que seria de esperar era os media darem o merecido grande relevo ao que disse o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. Mas não, nada disso – pelo menos pelo que vi, ouvi e li, ignoro se terá havido alguma boa exceção a confirmar a regra… Nada disso, mormente por parte das televisões, em que André Ventura tem a tal presença avassaladora, pés de câmaras e microfones sempre atrás dele ou estendidos ao seu dispor. Não só quando justificado, por se tratar de acontecimento ou declaração que é notícia, como quando de todo jornalisticamente injustificado, por se tratar de simples propaganda partidária e pessoal. Ainda por cima amiúde cheia de difamações, manipulações, aldrabices, sem denúncia imediata, que fazem o seu caminho e vão ficando espalhadas como gasolina a alimentar um fogo sempre aceso contra a democracia – pois outra coisa não representa a “condenação” constante do sistema, da situação do País nos últimos 50 anos, ou seja: depois do 25 de Abril!…
Assim, o que neste aspeto se passa em muita da comunicação social portuguesa, mormente no sector do audiovisual, chega a ser “escandaloso”. Creio que na maioria dos casos não por uma desejada intenção de promover um partido e o seu omnipresente líder, mas por falta de sentido da responsabilidade cívica e social do jornalismo, falta de rigor deontológico e sentido crítico, por vezes também incompetência – e sobretudo a convicção, não sei se certa se errada, que Ventura é que faz vender e dá audiências.
Quando, enfim, os media em geral estarão à altura das suas obrigações éticas e responsabilidades?
3. A campanha para as eleições autárquicas há muito está na rua. Nesta altura na máxima intensidade nos muito debates, por todo o País, entre candidatos a presidentes de câmara. Ainda bem: e dos que tenho conhecimento, como natural a qualidade dos intervenientes e o grau de esclarecimento que propiciam é muito diverso.
Mas o que pretendo é chamar a atenção para as eleições das juntas de freguesia. Às quais, como se justifica e impunha, hoje é dada muita mais importância que tempos atrás. Na maioria dos concelhos, e de certeza nos de maior dimensão, a propaganda eleitoral para as freguesias já inclui cartazes com as fotos dos candidatos, etc. E há mesmo freguesias com uma relevância e especificidades que dão particular significado aos seus resultados.
Flagrante exemplo é o da freguesia de Arroios, em Lisboa. Seguramente uma das mais populosas da cidade: segundo o censo de 2021 com 33 055 mil habitantes, agora com muitos mais, difíceis de contabilizar. Porquê? Porque é de longe a mais multicultural da capital, e do país, com moradores de pelo menos 79 nacionalidades (entre eles, de certeza, muitos imigrantes não legalizados). O que obviamente se reflete na multiplicidade e multiculturalidade de associações, grupos, estabelecimentos comerciais de toda a espécie.
A tal relevância e especificidade este ano acresce que se candidata a presidente da Junta, como independente mas apoiado por uma coligação PS-Livre-BE-PAN, João Jaime Pires. Uma (re)conhecida figura de professor, homem de cultura, pensamento e ação, desde há muitos anos, até há meses se ter reformado, reitor da mais prestigiosa instituição sedeada na freguesia: o Liceu Camões. Foi João Jaime que liderou todo o processo da excelente recuperação/renovação das suas velhas instalações e desenvolveu um trabalho pedagógico e cultural que todos reconhecem notável – assim havendo a expectativa que o mesmo possa acontecer ao nível da freguesia.