Esta semana foi pródiga em notícias sobre alimentação. E quando o tema chega aos jornais, já se sabe, são quase sempre más notícias. Nem o 3-0 do Sporting ao Benfica gerou discussões tão inflamadas como as que ouvi sobre o alerta da Organização Mundial de Saúde sobre os efeitos cancerígenos das carnes transformadas. “Querem acabar com o chouriço e com o presunto? Era só o que faltava!”
Nos Estados Unidos ou na Alemanha o tom da discussão não mudou muito, em defesa do bacon ou da bratwurst. O que ficou quase sempre por dizer é o que o problema não está propriamente na carne que estes produtos contêm – apesar de também voltar a ser apontada como má da fita no aumento de casos de cancro, sobretudo porque comemos muito mais do que os 400 gramas semanais recomendados.
O que faz mesmo mal são os compostos químicos adicionados durante o processo de fabrico destes produtos, usados para espessar, emulsionar, conferir cor, intensificar o sabor, estabilizar e aumentar o seu período de conservação. Falamos de nitritos, nitratos e nitrosaminas, polifosfatos, eritorbatos, ascorbatos e glutamatos de sódio, aminas heterocíclicas ou hidrocarbonetos aromáticos policiclíclos. Como? Isso. Nós temos dificuldades em decifrar o que são, e o mesmo sucede com o nosso organismo.
Em resumo, os perigos de uma posta mirandesa em nada se comparam aos de um cachorro-quente. E talvez seja mais seguro degustar um presunto de porco preto, criado a bolotas e curado de forma tradicional, do que comer fiambre.
Mas estes compostos não existem apenas nas carnes processadas. As nitrosaminas, por exemplo, produzidas a partir de nitratos e aminas, formam-se também quando consumimos produtos aparentemente tão saudáveis como o leite magro. O que está em causa, na verdade, é a forma como hoje se produz muito do que comemos. Sejam salsichas, refrigerantes ou cereais de pequeno-almoço. São produtos altamente transformados, criados em laboratório, com o intuito de serem baratos, terem prazos de validade grandes e deixarem as papilas gustativas em delírio. E é neste último ponto que reside o problema: é que nós gostamos muito desta comida. Tudo é pensado e criado ao pormenor para nos conquistar: desde a cor à textura, à combinação de aromas e sabores.
Há milhares de anos, os nossos antepassados selecionavam pelo sabor o que seria ou não seguro comer. Se fosse doce, seria um bom alimento, sobretudo por ser energético; o salgado indicava a presença de minerais, fundamentais à saúde; o ácido permitia conhecer o estado de amadurecimento de um fruto ou de um legume; e o amargo era um sério aviso: pode ser venenoso.
Esta associação do que é doce e salgado como sendo bom tem, portanto, raízes ancestrais – e ficou gravada nos nossos códigos genéticos. Sem esses atributos, a comida é logo classificada como insípida. Na década de 80, além do tradicional doce, salgado, ácido e amargo, foi reconhecida a capacidade das papilas gustativas detectarem o umami – uma palavra japonesa que poderá ser traduzida como “delicioso”.
O glutamato de sódio, tão presente na comida asiática (no molho de soja, por exemplo) estimula esse sentido como poucos componentes. Hoje, as combinações químicas capazes de intensificarem os sabores e despertarem o umami são cruciais na indústria alimentar, em combinação com o aspeto (os olhos também comem…), o som (tudo o que é estaladiço é um sucesso) e o aroma. Se o sabor é importante no processo do prazer, o olfato transporta-nos para outra dimensão, fazendo-nos estabelecer relações emocionais com a comida. É por isso que uma vulgar salsicha não dispensa, como poderão verificar na lista de ingredientes, o aroma de fumo.
São as memórias que os sabores e os aromas combinados evocam que justificam a nossa preferência por determinados alimentos. Tudo começa a definir-se ainda na gestação e a nossa relação com a comida define-se grandemente nos primeiros meses. Se sempre que um bebé chora a mãe o tranquiliza dando-lhe de mamar, é provável que em adulto ele se volte para comida como algo capaz de o confortar nos momentos menos bons da vida. E a associação do “estar à mesa” com os momentos felizes em família, ou o imperativo de comer bolo num dia de aniversário, continuam a moldar-nos pela vida fora.
Posto isto, será mesmo notícia que bacon e salsichas não são alimentos saudáveis? Que comemos sal, açúcar e gordura em quantidades incompatíveis com o desejo de viver até aos 100 anos? Racionalmente, todos sabemos o que nos faz bem ou mal. E que, sem exageros, tudo pode ser permitido. Mas emocionalmente é outra conversa. Felizmente, o corpo humano tem uma capacidade extraordinária de adaptação às “maldades” que lhe fazemos. Até ao dia.