A VISÃO, quer na revista em papel quer no site online, associou-se à celebração do Dia Europeu das Estatísticas, na quinta-feira passada, dia 20 de Outubro. Nesse dia, iniciou-se a 2ª Conference of European Statistics Stakeholders em Budapeste, onde foi apresentado um projecto pioneiro de medição da literacia em dados estatísticos, o «Índice de Literacia Estatística», desenvolvido pela empresa Social Data Lab, na qual participo.
Juntamente com a apresentação do projecto, existiu a possibilidade de realizar um teste de Literacia Estatística, através de um questionário em papel na revista e de um simulador online, disponível nos sites da Visão e da Social Data Lab (www.socialdatalab.pt). Foram ainda apresentados os resultados obtidos num teste à população portuguesa (1.200 inquiridos a nível nacional).
Para que não existam dúvidas a respeito de conceitos, a Literacia Estatística foi definida como «uma competência individual para formar uma opinião a respeito da sociedade e do mundo onde vivemos, a partir da utilização e compreensão de dados estatísticos fiáveis».
Duas grandes conclusões a tirar de toda esta experiência.
Em primeiro lugar, a Europa – uma vez que a conferência de Budapeste foi suportada pelo Eurostat e pelo Banco Central Europeu – dá um sinal da importância de medir a capacidade de compreensão, avaliação crítica e assimilação dos dados estatísticos. Já a OCDE, através do PISA e do PIAAC, tem vindo a colocar, embora de modo completamente diverso, a avaliação da numeracia em paridade com a literacia. O que significa que, no mundo moderno, a capacidade de entender as operações matemáticas se tornou tão importante como a capacidade de ler ou escrever. Vivemos num tempo em que se fala de «dilúvio» de dados estatísticos nas mais variadas áreas da nossa vida. A informação de que dispomos sobre a nossa sociedade e o mundo que nos rodeia é cada vez maior. E os dados estatísticos são um resultado de classificação, agregação, resumo e apresentação dessa informação, através do uso de ferramentas da ciência Estatística, ao serviço das populações.
Em segundo lugar, o resultado médio global obtido pela população portuguesa foi de 31%. Resultado muito baixo para os níveis pretendidos. Assim, e independentemente das razões que nos conduziram a este resultado menos favorável, julgo que seremos unânimes na ideia de ser necessário mudá-lo rapidamente. A escola será o grande instrumento de mudança. Mas as nossas crianças, juntamente com os seus professores desta área, não conseguirão cumprir essa tarefa sozinhos. Precisarão de receptividade por parte da sociedade que os rodeia.
Acredito que já assistamos, em Portugal, a um tempo em que as pessoas deixam lentamente os seus complexos de «falta de jeito para os números», resultado de um período muito longo em que uma sociedade envolvente – por estratégia política do Estado Novo – desprezava a importância dos números, para começar a fazer um esforço de compreensão e de conhecimento absolutamente necessário para o exercício da sua cidadania. É hoje mais claro que a ausência de capacidade de leitura dos «números» ou dos dados estatísticos é uma condenação que obriga a aceitar as opiniões e teses dos outros, mesmo que sejam uma patranha de todo o tamanho.
Mas, para que a tarefa da escola funcione, é absolutamente imprescindível a colaboração de diversas personagens fundamentais deste palco social: os líderes de opinião, os jornalistas, as pessoas com elevadas responsabilidades na gestão da coisa pública, etc.. Estes deverão coibir-se de sublimar a sua eventual frustração dizendo coisas como: «odeio a Matemática», ou «não tenho jeito para os números», ou «as estatísticas são a melhor maneira de mentir».
E, já que a solução passa pela Educação, espero que responsáveis do ministério da dita não defendam, como ouvi há alguns anos, a tese de que não faz sentido analisar a situação do ensino em Portugal através de estatísticas e que o essencial é «conhecer a escola por dentro». Foi assim que nos mantivemos na cauda da Europa em matéria de níveis de escolaridade.