Quando falamos de empresários, nem sempre estamos de acordo acerca do conteúdo do conceito. Ou seja, nem sempre estamos a falar da mesma coisa. Para aumentar a confusão, também acontece usarmos outras palavras para designar a mesma ideia: «patrão» é uma delas. Isto quer dizer algo que, apesar de óbvio, nem sempre consciencializamos: é frequente não prestarmos a devida atenção para ver se certas palavras que utilizamos correspondem ou não ao conteúdo que queremos ilustrar. Vem esta introdução a propósito de notícias recentes sobre fraudes nos estágios profissionais, que mais não fazem do que confirmar o hábito galopante de certos «empresários» tratarem os seus colaboradores, especialmente os jovens, como escravos, sujeitando-os a todo o tipo de opressões, chantagens e humilhações. O objectivo desta crónica é mostrar que esta gente não tem nada de parecido com a essência de um empresário. E que, por isso, é bom que usemos as palavras certas para nos fazermos entender.
Sou empresário há mais de 20 anos e fui responsável por muitos colaboradores ao longo da vida. Também fui funcionário público durante muitos anos. E até trabalhador por conta de outrem no privado. Ou seja, tenho alguma experiência de vida em todos os lados da barricada. Atrevo-me, por isso, a tentar uma definição para o conceito de empresário, que posso identificar com o ser humano que, só ou em colaboração com outros, cria um instrumento económico que lhe permite realizar um sonho de autossuficiência financeira e, ao mesmo tempo, de realização pessoal.
Na primeira dimensão, o empresário pretende que a sua empresa produza riqueza que lhe permita viver confortavelmente com os seus, sem precisar de outros, ou seja, sem estar dependente de riscos externos, por exemplo, ter um patrão doido ou ficar desempregado. É claro que também está sujeito a clientes externos, a falir e a ficar desempregado na mesma. Mas, de certa forma, o empresário sente que esse risco depende de si, do seu esforço, da sua sensatez e da sua competência, e não da sorte de encontrar uma entidade patronal com essas características.
Num segundo plano – penso que bastante mais importante –, o empresário deseja criar uma obra. Não quer dizer que seja eterna ou que o faça para deixar aos filhos, como é muito frequente – e, na minha opinião, errado – dizer-se. Mas deseja criar algo de longo prazo, que fique na memória daqueles que o acompanharam, com maior ou menor proximidade, nessa aventura. O empresário quer deixar um rasto de grandeza, porque quer «construir alguma coisa» que fique. E esse rasto tem normalmente duas componentes mais valorizadas socialmente (para além da financeira, claro): a inovação e o reconhecimento dos próximos. Nestas circunstâncias, eu diria que o verdadeiro empresário se distingue por ter uma visão de futuro. Para ter visão, precisa de ter reflexão e pensamento baseados em conhecimento e competência no âmbito da actividade da sua empresa. Para ter futuro, precisa de pensar a longo prazo, dando mais importância ao que a empresa será amanhã do ao que ela é hoje e valorizando a economia em detrimento das finanças. Mas precisa de algo mais: construir uma equipa sólida, competente, unida, empenhada, que «lute pela camisola». Sem esses seus parceiros, não vai a lado nenhum. Até porque são eles o garante da memória. Assim, só lhe pertencerá memória futura se agir com Responsabilidade Social e se produzir Impacto Social relevante junto dos seus colaboradores, clientes, fornecedores e comunidade em geral. Estes conceitos são, felizmente, cada vez mais importantes no ambiente empresarial mundial.
Por tudo isto, diria que demasiadas vezes confundimos os empresários com gente que o não é.
Não o são os accionistas de empresas (especuladores da bolsa incluídos) que só se preocupam com os lucros de hoje e os dividendos do ano seguinte. Valorizam as finanças e não a economia. E não têm uma visão de futuro. Compram e vendem, fazem um bom negócio e abandonam o barco, enfim, não vale a pena estar a explicar. Chamaria a estes «negociantes» (ou «homens de negócios»), e não empresários. Fazem negócios, não criam empresas.
Existem depois os «empresários esclavagistas». Que não são empresários nem negociantes. Porque não são ninguém. Falta-lhes um requisito obrigatório do conceito de empresário que descrevi atrás: a humanidade.