No dia em que Rocky bateu asas, ainda estavam todos confinados. Todos fechados em casa como manda o medo de coisa que não se vê e pode estar em qualquer lugar prestes a prender-se-nos na pele, a atravessar as fronteiras que nos separam do exterior e a atacar-nos por dentro, sem que possamos deitar-lhe as mãos para nos defendermos. O vírus invisível, suspenso no ar, quem sabe, estava lá fora. E ainda está. Não aqui. Por enquanto. As ilhas açorianas têm, presentemente, zero casos. São a quarta região mais saudável do mundo e vamos desconfinando, perdendo algum do medo, cientes de que, estando abertos ao mundo, estamos abertos à pandemia, mas life must go on, por muito atabalhoada e intimidante que possa ser a viagem. Voltando a Rocky, na altura do seu desaparecimento, a maioria dos humanos e dos animais de companhia, nestas ilhas em nenhures, estavam confinados. Todos eram cúmplices e solidários no sofrimento se é que se pode atribuir estes sentimentos a animais. Foi assim connosco, telefone à mão a disfarçar saudades, desalentos, revoltas, depressões. Com eles, foi certamente inquietação e necessidade de libertação, longe da clausura do abrigo que era a casa. Bem os víamos olhando a rua atrás da porta, adivinhando caminhos. Os seres vivos não foram feitos para o isolamento, que o digamos nós, os ditos racionais.

A 14 de maio passado, em plena pandemia, Rocky, o papagaio do criador açoriano João Cymbron, foi um dos que não aguentou aquele teto baixo sobre a gaiola. Faltava muito azul ali. Após o treino de voo, aproveitou a porta aberta esquecida pelo dono para se esgueirar e arriscar altos voos. E voou tanto e tão rápido que, logo, cruzou os céus da ilha, entre a Senhora da Rosa, na Fajã de Baixo, e a cidade de Ponta Delgada, e ainda um pouco de mar, pousando nos mastros de um navio de turismo, o Celebrity Infinity, que acabara de escalar a cidade micaelense para reabastecer.
Os companheiros de asas, Rambo, uma catatua alba, e Jóia, uma arara aruana, perceberam a ausência de Rocky, e até hoje ficaram animais tristes. A casa silenciou-se. Rocky, afinal, barulhento, levara a alegria da casa. Cantava “como um pássaro”. Assobiava como João Cymbron, o seu dono, e chamava os cães pelos nomes com voz tão igual à do dono que os baralhava. Os canídeos ouviam os chamamentos e, sem delongas, obedeciam ao papagaio gozão, mesmo não enxergando o dono.

Perante a fuga de Rocky, Cymbron desdobrou-se em contatos telefónicos, através de emails e pelas redes sociais. E as partilhas que davam conta do desaparecimento do papagaio, no Facebook, sucederam-se. Finalmente, a pérola da espera, o Rocky estava vivo e bem. Um tripulante de um barco de recreio, um indiano de nome Isaac Pradhan, postava do Celebrity Infinity, o anúncio da presença inesperada de um papagaio na embarcação que, na altura, já navegava a caminho de La Rochelle, no norte de França. E aí aportaram a 21 de maio. Rocky foi entregue ao Planeta Selvagem, um Jardim Zoológico de Nantes, entrando em quarentena. Mais uma quarentena, Rocky! Desta não te livras! Testado e limpo da Covid 19, aguarda numa clínica veterinária, em Nantes, a chegada do seu saudoso dono e tratador.
Há os que que se submetem e os que se atrevem. E a sorte protege os audazes. Atreveu-se o nosso Rocky fujão e foi em aventura parar ao norte de França. Mas o seu dono lá estará em breve para o trazer de volta à proteção da casa e amor da família.