O Luís Valente Rosa tem esta capacidade especial de me desafiar para escrever sobre coisas nas quais nunca pensei. Desta feita telefonou sugerindo escrevermos sobre futebol, o que, disse-lhe, não estava ao meu alcance (mas não percam a crónica dele sobre este assunto que será publicada no início da próxima semana… Garanto-vos que vale a pena). Depois, encostou-me à parede: escrevemos então sobre carros.
Os leitores destas nossas crónicas já se devem ter deleitado com o texto dele sobre o assunto. Com uma bitola assim, que posso eu acrescentar? Bom, eu, que conduzo desde os 18 anos, não me revejo na “fera” descrita pela conhecida inglesa do Luís: há muitos anos que sou um caso sério de condutor pacifista.
Também pensei escrever sobre a liberdade individual que o automóvel proporciona mas pouco acrescentaria ao que Miguel Sousa Tavares, há anos, escreveu no Expresso sobre este tema. Talvez confrontar o lirismo dos espaços abertos ao volante de um automóvel (porque me lembro dos textos do Chatwin?) com os prejuízos ambientais que o uso de viatura pessoal causa? E do modo, necessário, no meu entender, como os governos locais e nacionais têm empreendido esforços para limitar o uso deste símbolo do século XX para salvar o nosso planeta do efeito de estufa? Mas já tantos escreveram sobre este tema e tão bem…
Fui por isso à internet procurar inspiração. E digitei no Google, a Biblioteca da Alexandria da era moderna, a seguinte pergunta: “O que fazem os carros por nós?” O que me saiu na lotaria da internet? Isto: “Sexo no carro: conheça as oito melhores posições”.
As posições descritas nesta útil peça jornalística são ilustradas e nenhuma me levantou dúvidas, embora algumas sejam bastante imaginativas. Os autores brasileiros do artigo sentiram-se, contudo, na obrigação de acompanhar por palavras as imagens. Por exemplo: “No banco da frente, ela senta no colo dele, que usa as mãos para movimentar a parceira pelo quadril e controlar o movimento. Ela pode apoiar os pés no chão e as mãos no volante para ter maior controle”. Evidentemente, nesta redação nunca fez escola a máxima de que uma imagem vale por mil palavras…
O grande interesse do artigo, contudo, são os conselhos práticos que antecedem a galeria de imagens (ou melhor dito, de textos ilustrados). Deve-se, por exemplo, segundo o artigo, guardar um “kit de sobrevivência”, com “preservativos, lenços de papel, garrafinhas de água e até mesmo um pequeno travesseiro ou almofada para garantir conforto extra”. Eu, tanto quanto me recordo, nunca me esqueço do travesseiro…
Os conselhos sucedem-se. “Se quiser deixar o som do carro ligado, não se esqueça de dar a partida [ligar o carro] de tempos em tempos, para evitar que a bateria acabe.” Claro que convém não estar na posição descrita pelo autor e por mim reproduzida há dois parágrafo, pois nesse momento estão ambos com as mãos ocupadas. Por isso, aconselho eu, pare a música e mantenha o baile ou aceite como uma tragédia controlada o facto de ter de voltar para casa a pé.
A pensar no carro, os autores recomendam também que se tenha “uma toalha ou lençol para forrar o banco e evitar sujeira”. E porque a improvisação é inimiga da perfeição, “certifique-se de escolher um local apropriado, como um drive-in ou a garagem privativa da sua casa”. Pareceu-me a melhor dica do artigo. Evidentemente, as pessoas cansadas de uma cama confortável, com estrado, colchão, lençóis, almofadas e travesseiros, podem migrar para a garagem com uma toalha para forrar o banco do carro e ali se dedicarem aos seus prazeres lúbricos.
O momento que mais me emocionou, contudo, foi o início do artigo, quando os autores se dirigem diretamente às potenciais leitoras (a imprensa feminina tem de facto mudado muito…) “Transar no carro pode ser uma aventura muito prazerosa. O cenário inusitado, o risco – ainda que pequeno – de ser pega e a inevitável necessidade de usar posições alternativas tornam toda a experiência mais excitante.” Nunca tinha pensado nisto e estou certo que as leitoras a quem destinaram o artigo (eu enquanto o li senti-me um intruso) também não.
Parabéns à redação de http://www.bolsademulher.com e obrigado por me abrirem os olhos em relação a uma dimensão do automóvel tão personalista e, enfim e por fim, essencial
PS. Desculpe, Luís, eu sei que não foi para este tipo de reflexão que me desafiou…