Adalberto Malaquias era um homem tão gentil que tinha dificuldades em existir. Não vivia nas nuvens. Ele era uma nuvem. Uma nuvem antiga. Não destas, modernas, da internet. No prédio, os vizinhos cruzavam com ele como se fosse uma sombra. A sombra de um pássaro.
Chamavam-lhe o “Doutor da Pasta” porque o homem caminhava invariavelmente com uma pasta apertada contra o peito. E fazia-o com tal zelo que uma vizinha chegou a especular que se tratava de uma carga explosiva. E todos se riram: um terrorista, o gentilíssimo Malaquias? E lá o viam passar às mesmas horas, passos leves e curtos como se tivesse pudor de pisar a terra. As vizinhas gracejavam: se a misteriosa pasta fosse um explosivo, a carga seria tão lenta e tímida que esperaria licença municipal para ser detonada.